França devolverá à África obras de arte saqueadas no período colonial
A restituição de obras de arte africanas, tomadas pela França na época das colonizações, é o assunto de capa do jornal Libération desta quarta-feira (21). O diário obteve, em primeira mão, um relatório elaborado por especialistas que propõem a modificação das leis sobre o patrimônio francês: uma etapa essencial para que milhares de peças e documentos importantes sobre a história e a cultura da África sejam devolvidos a seus países de origem.
O jornal Libération pôde consultar as imensas listas que detalham os itens que a França pretende devolver às nações africanas: são milhares de joias, máscaras, estátuas e objetos nativos sagrados, classificados por país e reunidos em um documento de 40 volumes. O objetivo é cumprir a promessa do presidente francês, Emmanuel Macron, que, no ano passado, em viagem pelo continente africano, declarou que iria restituir o patrimônio saqueado pelos franceses na época da colonização.
Durante oito meses, especialistas se dedicaram a listar todos os tesouros africanos na França. Na próxima sexta-feira (23) eles entregarão ao governo francês o resultado deste trabalho que aponta que cerca de 90% do patrimônio africano está atualmente fora de seus países de origem, um desequilíbrio que intelectuais e políticos da África reclamam há anos que seja corrigido. A França está em possessão hoje de 90 mil itens africanos, a maioria conservada no Museu do Quai Branly, fundado pelo então presidente Jacques Chirac em 2006.
A reportagem detalha um verdadeiro sistema de apropriação, principalmente na África subsaariana, entre 1885 e 1960: cerca de 46 mil objetos. Um dos grandes obstáculos da restituição, no entanto, será a lei francesa, que impede que esses itens deixem os museus onde integram as coleções nacionais. Por isso, os especialistas irão propor ao governo a modificação do código do patrimônio francês, destaca Libération.
Polêmicas em torno das restituições
Outra questão que preocupa os historiadores é como devolver essas obras de arte: "para onde e para quem?", pergunta o jornal. Libération lembra que os territórios africanos foram reformados desde a época da colonização. "Restituir uma máscara sagrada de uma etnia particular a um governo africano fará sentido?", questiona. Muitos especialistas temem que a questão provoque debates acalorados nos países africanos envolvidos.
Na França, o assunto também divide: várias vozes começam a se elevar contra as restituições. "O que vai restar nos museus franceses?", se pergunta a revista Le Point desta semana. A publicação destaca que vários dos objetos que serão restituídos foram também comprados por negociantes franceses de obras de arte, embora próprio o relatório elaborado pelos especialistas destaque que raramente o preço pago por esses objetos era justo.
Em editorial, Libération diz: "Vamos inverter a situação: o que diriam os franceses se, no passado, milhares de obras nos tivessem sido roubadas sem que a restituição delas não pudesse nem mesmo ser debatida?". Para o diário, quem protesta contra "este ato de justiça" são nostálgicos da era colonial. "Os mesmos que defendem agressivamente a 'identidade cultural francesa' são aqueles que se opõem que outros possam recuperar uma parte daquilo que lhes foi arrancado à força", conclui.
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