Como o escândalo de assédio na literatura mancha o Nobel de 2018
A abertura da semana em que se anunciam os vencedores do Prêmio Nobel está sendo marcada pela crise de prestígio que abala a Academia Sueca, responsável pela escolha da premiação de Literatura: pela primeira vez em 70 anos, em consequência de um escândalo sexual exposto durante o movimento, o Prêmio Nobel de Literatura não será concedido.
A última vez em que o Prêmio Nobel de Literatura foi adiado ocorreu em 1949, quando o comitê decidiu que nenhum dos nomes indicados atendia aos critérios para ganhar a premiação. De acordo com as regras da Fundação Nobel, o prêmio foi reservado para o ano seguinte, quando foi concedido ao autor americano William Faulkner.
Desta vez, porém, a situação é mais crítica: a própria reputação da Academia Sueca, tradicionalmente conhecida por sua integridade e discrição, está em jogo. A perda de prestígio da instituição voltou a ser exposta na segunda-feira (1), quando a Semana Nobel foi aberta com a divulgação do primeiro prêmio. Minutos antes de o anúncio dos vencedores do Nobel de Medicina, um tribunal sueco condenou a dois anos de prisão o homem acusado pelo escândalo sexual que provocou a maior crise da história da Academia Sueca.
Jean-Claude Arnault, um produtor cultural francês que tinha fortes laços com a Academia Sueca, foi considerado culpado de uma das acusações de crime sexual dirigidas contra ele durante a campanha #MeToo, em novembro passado. Arnault, que nega as acusações e deverá apelar da sentença, é casado com a escritora Katarina Frostenson, que afastou-se da Academia Sueca em consequência das disputas internas provocadas pelo escândalo.
Na esteira da crise, em maio passado, a Academia Sueca cancelou o Nobel de Literatura deste ano, e afirmou que nomeará dois vencedores para o prêmio em 2019. E na opinião de vários analistas da mídia sueca, a condenação de Arnault pode aprofundar ainda as disputas internas na Academia Sueca.
"O escândalo foi desastroso para a reputação da Academia", disse a crítica literária do jornal Svenska Dagbladet, Madelaine Levy. Vários críticos apontam que a condenação do produtor cultural francês deve evidenciar a divisão interna sobre como as denúncias de assédio sexual foram conduzidas pela instituição. Desde o início da crise, a Academia se transformou em um espetáculo público no qual seus membros trocam insultos e acusações, o que vem sendo observado com desprezo pela população sueca.
A Fundação Nobel, que gerencia as finanças e a administração dos prêmios Nobel, espera que a Academia possa recuperar sua credibilidade a fim de voltar a conceder a premiação de Literatura em 2019. "Penso que há uma chance de que isto possa acontecer. Mas ainda é cedo para afirmar com certeza", disse o diretor da Fundação, Lars Heikensten.
Dupla premiação do Nobel de Literatura
Diante das notícias constantes sobre rivalidades entre os membros da Academia no curso do processo de reformas da instituição, muitos editores e críticos literários duvidam de que haverá de fato uma dupla premiação de Literatura no próximo ano.
Há mais de um século, a Academia Sueca decide a escolha dos ganhadores do maior prêmio de literatura do mundo. Fundada em 1786 pelo Rei Gustav III, a instituição é formada por por 18 membros, que são nomeados em caráter vitalício. Conhecidos como "De Aderton" ("Os Dezoito"), entre estes 18 integrantes estão escritores, linguistas, acadêmicos e historiadores.
O Comitê Nobel de Literatura, eleito pelos membros da Academia, é o órgão que avalia as nomeações de candidatos ao prêmio e apresenta suas recomendações para a instituição. Mas, em consequência da crise na instituição, seis membros da Academia se afastaram.
O escândalo protagonizado pelo produtor cultural francês dividiu a Academia e provocou uma série de renúncias na instituição - incluindo a de Sara Danius, a secretária permanente da instituição. Dois outros membros já haviam se afastado anteriormente, por outras razões. Sem o quórum de 12 membros necessário para desempenhar suas funções, e fortemente criticada por suas rivalidades internas, a Academia prometeu introduzir reformas abrangentes.
"A Academia Sueca tem continuado seus esforços para reestabelecer a confiança em suas atividades e a legitimidade do Prêmio Nobel de Literatura. A condução de uma interpretação moderna dos institutos da Academia, datados de 1786, com a ajuda de especialistas, tem sido vital para o processo de reforma da instituição", afirmou o secretário permanente da Academia Sueca, Anders Olsson, em comunicado emitido em setembro.
Transparência no uso de recursos
Com orçamento anual de cerca de 25 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 11 milhões), a Academia Sueca distribui anualmente cerca de 70 diferentes prêmios, além de incentivos para diversas associações culturais e contribuições individuais.
Para vários analistas, deve haver mais transparência na forma como a Academia utiliza esses recursos. A instituição também possui propriedades e ações avaliadas em cerca de dois milhões de coroas suecas, mas é isenta de impostos - o que é criticado por muitos suecos.
Apesar da repercussão do cancelamento do Nobel de Literatura deste ano, adiamentos do prêmio de Literatura já ocorreram em sete outras ocasiões: em 1915, 1919, 1925, 1926, 1927, 1936 e 1949, a premiação foi adiada para o ano seguinte, uma vez que nenhum candidato obteve apoio dos membros da Academia para vencer o título.
Mas o desafio da Academia Sueca, agora, é provar que seus integrantes são capazes de restabelecer o prestígio centenário da instituição. Como disse o diretor da Fundação Nobel à rádio sueca, o Prêmio Nobel de Literatura só será concedido quando a Academia Sueca recuperar a confiança do público.
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