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Astros do cinema são mais influentes do que escritores, diz Salman Rushdie

Escritor Salman Rushdie posa para foto na divulgação de "Midnight"s Children" - AP Photo/The Canadian Presss, Chris Young
Escritor Salman Rushdie posa para foto na divulgação de "Midnight's Children" Imagem: AP Photo/The Canadian Presss, Chris Young

28/09/2012 20h33

Salman Rushdie acredita que a literatura perdeu grande parte da sua influência no Ocidente, e que astros do cinema, como George Clooney e Angelina Jolie, assumiram o lugar de nomes como Susan Sontag e Norman Mailer quando se trata de abordar questões relevantes.

O autor britânico, que acaba de lançar um livro relatando os dez anos que passou escondido depois de ser alvo de um decreto religioso iraniano por causa de sua obra "Os Versos Satânicos", em 1989, considera que as rebeliões da Primavera Árabe fracassaram, mas que ainda há esperança para as sociedades muçulmanas no futuro.

Ele dedica palavras calorosas a seu filho mais velho, Zafar, que tinha nove anos quando a famosa condenação à morte foi proferida, mas o tom se torna mais duro ao tratar de personalidades como Rupert Murdoch, o príncipe Charles e John Le Carré, que deixaram de ampará-lo durante os anos sombrios.

E, com a publicação de "Joseph Anton", autobiografia de 633 páginas, o escritor de 65 anos está finalmente determinado a deixar a "fatwa" (decreto religioso) para trás.

"Tenho a sensação de que as pessoas acham (a literatura) menos importante", disse ele à Reuters na sexta-feira, numa abrangente entrevista na livraria Waterstone, no centro de Londres.

"Se você olhar para (os Estados Unidos da) América, por exemplo, há uma geração mais antiga que a minha na qual escritores como Susan Sontag, Norman Mailer e Gore Vidal tinham uma voz pública significativa nas questões do dia. Agora virtualmente não há escritores. Em vez disso, você tem astros do cinema, então se você é George Clooney ou Angelina Jolie, aí você tem a capacidade de falar sobre questões públicas , e as pessoas vão ouvir de um jeito como antes ouviam Mailer e Sontag. Isso é uma mudança."

Ele acrescentou que em países autoritários a situação é diferente, e a literatura reteve parte do seu poder. "Nesses lugares, a literatura continua a ser importante, como você pode ver pelas medidas tomadas contra escritores", afirmou Rushdie, citando a China como exemplo.

Mais do que ninguém, Rushdie sintetiza uma das questões mais prementes que os líderes mundiais enfrentam atualmente - a tensão entre a liberdade de expressão e o desejo de evitar ofensas à fé alheia.

Em seu livro, ele argumenta que "Os Versos Satânicos" não deveria ser considerado especialmente ofensivo aos muçulmanos. O escritor disse, no entanto, que continua defendendo que até o mais provocativo dos indivíduos tenha o direito de expressar suas opiniões.

"Joseph Anton" (pseudônimo de Rushdie na época em que viveu escondido) chega às livrarias na mesma época em que um filme ofensivo ao profeta Maomé motiva protestos em vários países islâmicos, causando diversas mortes.

"Está claro que você precisa defender coisas com as quais não concorda", disse ele, quando questionado sobre a conveniência de censurar aquele filme semiamador, produzido nos EUA.

"O que é a liberdade de expressão se for só para as pessoas com as quais você concorda? Frequentemente, na discussão da liberdade de expressão, você se vê defendendo coisas que realmente desgosta. Vi esse filme e ele não tem como ser pior. É tão incompetente que você se pergunta como alguém pode ficar chateado com ele."

Rushdie descreveu uma "indústria da indignação", na qual as pessoas deliberadamente "inflamam os fiéis".

Parte dessa "indústria" apontou o dedo para ele novamente nas últimas semanas, como foi o caso de uma fundação semioficial iraniana que elevou para 3,3 milhões de dólares a recompensa por sua morte.

Questionado sobre se teme por sua vida, Rushdie respondeu: "O mundo é um lugar perigoso, e nunca há 100 por cento de garantia, mas em geral a última década tem sido realmente ok."