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Cineastas de Gaza criticam censura do Hamas

28/07/2011 14h01

Por Nidal al-Mughrabi

GAZA (Reuters) - "Fazer cinema na Faixa de Gaza é como escrever com os dedos em cima de pedras," diz o roteirista e diretor palestino Sweilem Al-Absi.

Não é apenas a escassez de recursos, equipamentos e estúdios que arranca essa queixa de cineastas na Faixa de Gaza. Quatro anos depois de o grupo islâmico Hamas ter assumido o controle de Gaza, censores culturais estão enfraquecendo a indústria do cinema local, que já era frágil.

Imerso em conflito com Israel e enfrentando seus rivais palestinos seculares na Cisjordânia ocupada, o Hamas vem investindo em programas de jornalismo, educativos e até mesmo clipes de animação veiculados na TV e na Internet e que promovam suas posições políticas.

Mas artistas independentes dizem que o Ministério da Cultura de Gaza, onde os projetos precisam ser aprovados antes serem exibidos para o público, se apressa a reprimir conteúdos que não se enquadrem nos editos do Hamas.

Foi esse o caso do curta-metragem de 2010 "Masho Matook" ("Algo Doce"), dirigido por Khalil al-Muzzayen e que mostra as interações entre soldados israelenses e crianças palestinas que jogavam futebol em Gaza, na época em que o território era ocupado por Israel.

Embora a vinheta em vídeo tenha sido oferecida ao Festival de Cinema de Cannes, o Hamas proibiu sua exibição local, citando uma cena de quatro segundos em que soldados israelenses lançam olhares de apreciação para uma palestina bela que passa por eles com os cabelos descobertos.

O ministro da Cultura, Mustafa al-Sawaf, disse que as imagens são "fora de contexto."

"A mulher estava inclinada, rindo e olhando para os soldados israelenses, e isso foi inapropriado. Mulheres palestinas não fariam isso," disse Sawaf, descrevendo como mínimas as intervenções de seu ministério em produções de cinema e televisão.

Boa parte da disputa vem do fato de que o filme, ambientado nos anos 1970, mostra uma mulher com os cabelos descobertos --coisa que raramente é vista hoje em Gaza, onde os costumes islâmicos deitaram raízes.

NEGANDO A REALIDADE

Enquanto a censura é comum nas sociedades árabes e muçulmanas conservadoras, alguns palestinos enxergam na censura do Hamas um excesso de zelo nascido de seus esforços para impor a ordem no território pobre encurralado entre Israel, o Egito e o Mediterrâneo.

"Foi injusto proibir o filme em função de uma cena que mostra uma moça sem lenço na cabeça. Por que negar a realidade?", indagou o cineasta de 23 anos Ahmed Abu Naser, que como seu irmão gêmeo e parceiro artístico Mohammed, ajudou Mouzzayen com "Masho Matook."

Os próprios irmãos são figuras incomuns na sociedade palestina por terem cabelos longos e fumarem cachimbos.

Gaza não tem cinemas: três que existiam antes da retirada dos soldados e colonos israelenses em 2005 foram incendiados durante choques entre facções palestinas. Há televisores em toda parte, muitas vezes recebendo TV por satélite, mas não há lugares para exibições públicas de filmes.

Um festival de cinema promovido este mês pelo Centro de Assuntos Femininos de Gaza também teve problemas com os censores do Hamas.

A programação incluía documentários e trabalhos de ficção do Egito, Líbano, Tunísia e México sobre questões ligadas às mulheres. Mas todos tiveram que passar pelas "tesouras" do Ministério da Cultura, disse Absi.

Um filme teve cortada uma cena em que uma mulher, enquanto falava com seu amado, estando cada um em sacadas diferentes, abaixou seu vestido de um lado, mostrando seu ombro. Em outro, foi cortado um diálogo em que um homem irado xingava sua mulher.

Sawaf descreveu a censura como sendo consensual, dizendo que os filmes entregues ao Ministério para serem aprovados antes do festival foram devolvidos com "comentários para os diretores."

"Precisamos ter uma postura em relação a qualquer trabalho que viole os valores tradicionais. Queremos conservar o legado da comunidade," disse Sawaf.