Decifrando 'Tenet': o novo filme de Christopher Nolan
Christopher Nolan é dos poucos diretores da atualidade em que todo novo filme é um evento. É claro que ícones como Martin Scorsese e Steven Spielberg sempre são (merecidamente) reverenciados, mas Nolan conseguiu aliar ao reconhecimento a capacidade de atrair grandes públicos, independentemente do tema que apresente. Em "Tenet", uma vez mais, ele desafia o espectador com uma trama complexa e envolvente.
Mas, afinal de contas, o que é 'Tenet'?
Desde o lançamento do primeiro trailer, muito se especula e pouco se sabe sobre a trama que, de alguma forma, manipula o tempo. Nada de viagem temporal, o próprio personagem de Robert Pattinson aponta, em cena que remete a Guy Pearce explicando que não tinha amnésia no icônico... "Amnésia" (2000) —ah, as distribuidoras e seus títulos nacionais...
A primeira pista do enigma está no próprio título: Tenet, de trás pra frente, é Tenet. A proposta é aplicar o palíndromo à narrativa, manipulando a linha temporal de forma que ande nos dois sentidos, por vezes simultaneamente. Confuso? É mesmo, e o próprio filme tira sarro disso. Por mais que volta e meia conceitue o que acontece, é difícil. Intencionalmente difícil.
Não tente compreender, sinta!
A frase dita pela cientista interpretada por Clémence Poésy é o mantra a ser seguido. Mais que uma aula teórica sobre física, o que até pincela vez ou outra, Nolan aos poucos ensina o público através de exemplos práticos sobre sua nova brincadeira narrativa, tão engenhosa quanto desafiadora. Ver movimentos tão anti-naturais com tamanha destreza choca, mas também fascina.
Decifra-me ou devoro-te!
Leva tempo até entender de fato tal dinâmica, também porque Nolan não deseja, de imediato, explicá-la ao espectador. Pelo contrário, para evitar que as dúvidas distraiam o diretor emenda uma subtrama na outra sem descanso, pulando de cena de ação para novo personagem, indo para outro país e já em uma frase de efeito e por aí vai. Tudo para que você não tenha tempo para questionar o que vê, ainda.
Nolan, também roteirista de "Tenet", tem plena consciência de tal ritmo frenético e, habilmente, o utiliza para esconder pontas soltas e incoerências, que surgem aqui e ali. Há um enigma maior a ser decifrado, como funciona Tenet, o resto joga-se para debaixo do tapete. O velho truque do ilusionista, que direciona o olhar do público para onde deseja.
Se decifrar os códigos narrativos de "Tenet" é essencial para sua apreciação, Nolan entrega ao público um punhado de sequências visualmente belas e até angustiantes, como o trecho do labirinto sem ar ou mesmo o horizonte marítimo repleto de moinhos de vento. Se há pouquíssimos momentos de alívio cômico, no máximo uma ou outra fala provocadora, isto também se deve à complexidade da teia narrativa.
Mais uma vez: Nolan sabe o que deseja e o faz com precisão. Pode-se gostar ou não da forma, mas ele tem absoluto controle do que mostrar, como mostrar e quando mostrar. Tamanho domínio é impressionante, ainda mais em uma narrativa tão densa em camadas como esta, que com certeza vai provocar debates e inúmeras matérias de final explicado internet afora. Pode aguardar.
E o elenco?
Apesar dos nomes de destaque, eles são ofuscados pela proposta narrativa. Há aqueles que já entraram para a trupe habitual do diretor, como o fetiche Michael Caine surgindo em uma única cena ou mesmo Kenneth Branagh caprichando na carranca vilanesca. Elizabeth Debicki surge protocolar, enquanto Robert Pattinson está limitado pelos mistérios de seu personagem.
Já John David Washington é um caso à parte. Filho de Denzel e líder do explosivo (e ótimo) "Infiltrado na Klan" (2018), ele sobe novo patamar em Hollywood ao assumir com competência o posto de protagonista em um filme deste porte, algo até mesmo raro para um ator negro sem currículo extenso. Ainda é cedo para dizer que surge um novo astro, mas ele tem qualidades para chegar lá.
Bastante engenhoso, "Tenet" é acima de tudo um filme ambicioso, que tão bem reflete o perfeccionismo obsessivo de seu diretor. O terço final, em particular, é de uma beleza visual e narrativa impressionantes, pelo que mostra e como mostra. Apesar de também possuir fragilidades, em especial em subtramas e coadjuvantes, trata-se de um filme acima de tudo desafiador. Do jeito que Nolan tanto gosta.
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