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3% chega ao fim: Lembre a trajetória da primeira série nacional da Netflix

Cena da quarta temporada de "3%" - Divulgação/Netflix
Cena da quarta temporada de '3%' Imagem: Divulgação/Netflix

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

14/08/2020 11h00

A Netflix tem hoje, várias séries originais brasileiras no catálogo, como a nova "Boca a Boca", a elogiada "Coisa Mais Linda" e a polêmica "O Mecanismo". Mas se elas foram possíveis, é porque uma outra abriu as portas: "3%", a ficção distópica que estreou em 2016 tendo como tema um rigoroso processo seletivo que separa o próspero Maralto do miserável Continente.

A primeira série brasileira da Netflix foi criticada e defendida com fervor quase igual, alcançou o estrelato internacional e chegou a ser a série em língua não-inglesa mais vista nos Estados Unidos.

Agora, "3%" estreia sua quarta e última temporada, colocando um fim aos destinos de Michele (Bianca Comparato), Joana (Vaneza Oliveira), Rafael (Rodolfo Valente), Marco (Rafael Lozano) e companhia.

Aproveitando, UOL bateu um papo com os atores e o criador da série, Pedro Aguilera, para relembrar a história da série e contar como foi a despedida. Vem com a gente!

Da USP para o mundo

A história de 3% começou em 2009, na USP. Pedro, então aluno do curso de audiovisual, tinha 20 anos e se interessou em um edital que premiava o melhor roteiro com recursos para produzir um piloto.

Ele compartilhou a ideia que seria a base de 3% com os amigos e colegas de turma Jotagá Crema, Dani Libardi e Daina Gianecchini -que se tornariam diretores da série —e todos embarcaram na história.

Pedro Aguilera, criador de '3%', nos bastidores da quarta temporada - Pedro Saad/Netflix - Pedro Saad/Netflix
Pedro Aguilera, criador de '3%', nos bastidores da quarta temporada
Imagem: Pedro Saad/Netflix

Com o roteiro premiado, eles conseguiram gravar o piloto, mas não foram aprovados na segunda fase do edital, que disponibilizaria recursos para uma temporada inteira. No fim, uma sorte.

Hoje em dia eu posso falar 'ainda bem', porque deu tempo de a gente crescer, amadurecer e ganhar experiência antes de fazer a série.

Eles colocaram o piloto no YouTube em 2011, e tiveram que dividir em três partes porque, naquela época, a plataforma não aceitava vídeos de mais de dez minutos. Os quatro se dividiram disparando mensagens para jornalistas, e conseguiram atrair atenção considerável para a produção -inclusive a de Erick Barmack, executivo da Netflix que descobriu 3% lendo uma notinha na revista gringa "Wired".

A chegada à Netflix

Barmack passou um bom tempo tentando contatar Aguilera e os diretores via Facebook, sem sucesso. "Ele foi persistente. Mandou mensagem para o e-mail da conta do YouTube que tinha o piloto, e aí depois de um bom tempo alguém viu e começamos a falar", lembra o criador.

Na época, a Netflix ainda não era a força que é hoje -e só havia lançado "House of Cards" como série original. Mas as negociações, como já sabemos, deram certo. Em 2015 "3%" foi anunciada como a primeira série original do serviço de streaming por aqui, com Bianca Comparato e João Miguel encabeçando o elenco.

Cena da quarta temporada de '3%', da Netflix - Bianca - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Imagem: Divulgação/Netflix

Era uma aposta arriscada. Afinal, não só a Netflix ainda engatinhava aqui, como ficção científica não é exatamente um gênero predominante no nosso cinema ou nas nossas TVs -e isso foi algo que pesou inclusive para Bianca Comparato, que em 2015 apareceu em duas novelas globais: "Sete Vidas" e "Tapas e Beijos".

Foi um instinto. Eu li e falei: eu tenho que fazer isso. Mas tive um momento de ponderação, não foi uma escolha fácil

A estreia

A estreia, em 2016, foi controversa. Parte da crítica (e dos espectadores) detonou a série por seus problemas de execução, chamando-a de "decepcionante". Mas outra parcela do público foi rápida em abraçá-la, e "3%" acabou renovada uma semana depois da sua estreia, sob uma gritaria forte dos fãs em plena CCXP.

O carinho que a gente recebeu na Comic-Con até hoje me arrepia. Tivemos críticas boas, e outras não tão boas. Mas sempre senti que "3%" foi uma série muito do público, dos fãs, e desde o princípio, o público brasileiro abraçou muito a gente.
Bianca Comparato

O público internacional também abraçou a série. "3%" foi tema de artigos (elogiosos) em publicações como a revista "The New Yorker" e a "Wired", e até hoje os atores recebem mensagens de fãs de outros países.

Muito disso, acreditam os atores, se deve aos temas universais tratados pela série -mas também pelo olhar novo que uma produção brasileira traz a ela, como destaca Rodolfo Valente:

É uma distopia contada por uma voz que nunca é ouvida, por uma cultura que não é geralmente a que conta essa história. É o que seria essa distopia a partir de nós, brasileiros. É um motivo de orgulho imenso.

Cena da quarta temporada de '3%', da Netflix - Rodolfo - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Imagem: Divulgação/Netflix

Quatro temporadas de transformação

Ao longo das temporadas seguintes, a produção de "3%" amadureceu muito -assim como seus personagens e, claro, seus atores.
Vaneza Oliveira, uma das revelações da série, mostrou seu talento como Joana, personagem que foi ganhando contornos mais profundos a cada temporada. A atriz também viu sua vida mudar bastante desde a estreia da série.

"Na primeira temporada, eu dormia no sofá da sala da minha casa, porque a gente não tinha um quarto. Agora eu tenho um quarto, eu tenho meu apartamento no centro. Olhar para trás e ver essa trajetória de maneira pessoal é muito emocionante", diz a atriz, que se emocionou bastante ao se despedir de Joana.

No set de filmagem a gente chorava toda semana. No último dia, eu chorei muito. Mas essa semana estou sentindo que acabou. A Joana vai ficar eterna, mas nunca mais vou vestir o coturno dela.

Cena da quarta temporada de '3%', da Netflix - Vaneza - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Imagem: Divulgação/Netflix

Rafael Lozano, o Marco, também viu os rumos de seu personagem mudarem bastante -originalmente, ele morria, como era insinuado na primeira temporada. "Eu estava já me despedindo, mas lembro que o Erick veio conversar comigo e falou 'a gente quer que você esteja junto com a gente'".

Depois disso, Marco não só voltou, como ganhou um arco significativo com a mãe Marcela (Laila Garin), comandante do Maralto. E deu a oportunidade de Rafael participar ativamente do crescimento da série.

Foi muito gratificante ver isso. A gente criou uma família, uma amizade. É muito intenso. E agora eu tenho um filho, a gente vai vendo a vida das pessoas amadurecer também.

Cena da quarta temporada de '3%', da Netflix - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Imagem: Divulgação/Netflix

É um sentimento semelhante ao do Rodolfo, que também viu seu Rafael passar por poucas e boas ao longo da série, e já está se sentindo nostálgico com o fim.

No começo a gente nem imaginava o que significava fazer uma serie na Netflix, então é muito difícil separar as nossas trajetórias de vida das trajetórias desses personagens. Foi muito bonito.