'Um dia minha estrela vai brilhar', dizia Mc que morreu após procedimento
Cantora de funk havia mais de 20 anos, Fernanda Rodrigues, 43, conhecida como Mc Atrevida, começou a ouvir suas músicas tocarem com mais frequência nos bailes do Rio nos últimos anos. A funkeira morreu na segunda-feira, 11 dias após realizar o primeiro procedimento estético da vida dela em uma clínica, no bairro de Vila Isabel, na zona norte do Rio.
Cria do morro do Dendê, na Ilha do Governador, zona norte do Rio, a Mc, que também trabalhava como manicure, viu suas músicas estourarem recentemente.
Ela estava muito feliz. Falava para mim: 'Amiga, um dia a minha estrela vai brilhar!' Ela tinha esperança de ser reconhecida pelo trabalho dela, estava fazendo bastante baile, começou a aparecer um pouco na TV, fazer show e começou a se dedicar mais ao corpo. Começou a se cuidar mais, estava trilhando o sonho dela"
Janine Vieira, amiga de MC Atrevida
Outra amiga da cantora, Fernanda Rocha, disse que Fernanda estava muito agradecida por ouvir o que ela compôs há quatro ou cinco anos tocarem em diversas comunidades do Rio.
Ela não teve tempo de chegar onde queria, mas já estava muito feliz com os resultados. Estava começando a ficar bem conhecida nos bailes. As festas já tocavam ela, mas estavam tocando bem mais de um tempo para cá. Eu lembro dela falar para mim: 'Amiga, minha música tá tocando lá no Jacaré [outra comunidade da zona norte do Rio]'. Estava se sentido realizada"
Fernanda Rocha, amiga e cabeleireira de MC Atrevida
As duas amigas definiram a funkeira como uma pessoa animada e extrovertida
"Ela era de bem. Era brava com quem pisava no calo dela, mas sempre de bem. Viciada em malhar, fazer caminhada, tomar sol, gostava de cantar, tinha alimentação regulada, fumava sim, mas nem tanto. Ela gostava de ajudar todo mundo", disse Rocha ao UOL.
O sonho da Mc Atrevida, segundo a amiga, era ser reconhecida ainda mais pela música.
Ela já era agradecida por chegar onde chegou. Uma pessoa do bem"
Fernanda Rocha, amiga e cabeleireira de MC Atrevida
Mc Atrevida se separou há aproximadamente dois anos. Ela deixou quatro filhas.
'Falaram para ela que o médico foi da equipe do Ivo Pitanguy'
Segundo a amiga Janine Vieira, Mc Atrevida fez uma parceira com a clínica para realização de três procedimentos cirúrgicos. Além do enxerto no bumbum, a cantora também colocaria silicone por um preço mais barato do que o cobrado no mercado normalmente. Em troca, ela ajudaria a divulgar o nome da clínica — Rainhas das Plásticas, em Vila Isabel.
De acordo ainda com a amiga, a Rainha das Plásticas teria dito que o médico, responsável pelo procedimento, era da equipe do Ivo Pitanguy — cirurgião plástico renomado.
A hidrolipo com enxerto de gordura retirada das costas para o bumbum foi a primeira cirurgia plástica da cantora. O procedimento ocorreu no dia 16 e a paciente foi mandada para a casa no mesmo dia.
A Mc ficou quatro dias sob os cuidados de Janine, relatando fortes dores. Segundo ela, os profissionais da clínica induziram a cantora a não procurar atendimento médico. "A mulher induzia a ela a não ir ao hospital. Falavam que era normal e que ela ia ficar bem. Eu não sei como ela aguentou tanta dor. Vomitava muito. Pedi o celular do cirurgião para falar com ele e eles [funcionários da clínica] não passavam."
Após dez dias com dor e com nódulos aparecendo em diversas partes do corpo, Mc Atrevida buscou atendimento no Hospital Municipal Evandro Freire, na Ilha do Governador. Ela deu entrada na unidade no dia 26.
Segundo a Secretaria de Saúde, "a paciente foi encaminhada para UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em estado grave e morreu no dia seguinte".
Segundo a amiga Fernanda Rocha, a causa da morte foi infecção generalizada. No hospital, a equipe médica relatou a família a suspeita de injeção de gordura misturada a outras substâncias no bumbum da paciente. O UOL tentou contato com Wania Tavares, responsável pela clínica, mas não conseguiu localizá-la.
Em uma live na internet, a empresária negou a informação de Fernanda de que houve mistura de substâncias durante o procedimento.
A gente não coloca nenhuma mistura no bumbum de ninguém. Pelo que entendi, quando foi colocada a gordura, já tinha algo que misturou lá e deu problema. Quem tem algo no bumbum não pode mexer, isso é uma bomba"
Wania Tavares, dona da clínica Rainha das Plásticas
Porém, em seguida, a empresária afirmou não ter provas que a cliente tinha feito um procedimento anterior em que tivesse aplicado outras substâncias. "Não estou falando que tem ou não tem. Não tenho laudo. Eu estou com a minha consciência supertranquila quanto ao procedimento, que foi feito corretamente".
Já Janine afirma que a cantora nunca fez qualquer tipo de procedimento nos glúteos.
A cirurgia foi realizada por um ortopedista e uma ginecologista.
O delegado responsável pelo caso disse ao UOL que a filha da cantora já prestou depoimento hoje sobre o caso.
"Estamos ouvindo os familiares, a clínica está fechada, um dos médicos, responsáveis pelo procedimento, já foi identificado, já intimamos também os proprietários do estabelecimento e estamos aguardando o comparecimento deles", informou o delegado André Luiz Neves.
Casos fora de ambiente cirúrgico
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, quase 100% dos casos de acidentes graves e mortes em decorrência de procedimento estético estão associados a clínicas clandestinas e/ou caseiras; e a profissionais não habilitados para a realização do mesmo".
Em entrevista ao UOL, o cirurgião plástico Ricardo Cavalcanti Ribeiro, membro da Sociedade Norte-Americana de Cirurgia Plástica e diretor do Instituto Carlos Chagas no Rio, explicou que o procedimento é seguro desde que seja realizado por um cirurgião plástico habilitado em um centro cirúrgico.
Hoje as cirurgias se tornaram muito seguras por diversos fatores que incluem anestesia, aparelhamento, exigência de exames, mas o que a gente tem hoje é um indivíduo não habilitado fazendo cirurgia. Isso acaba trazendo muitos problemas. Um ortopedista e uma ginecologista não são indicados para esse procedimento, como eu não sou o melhor para acompanhar um caso de fratura, por exemplo"
Ricardo Cavalcanti Ribeiro, membro da Sociedade Norte-Americana de Cirurgia Plástica e diretor do Instituto Carlos Chagas no Rio
"As pessoas gostam de ser enganadas e são induzidas a fazer com o mais barato, com aqueles que fazem marketing digital, que vendem facilidades. Não estou responsabilizando ninguém (...), mas há lugares que injetam silicone industrial, substância até que a gente desconhece e isso é feito até por pessoas com nível de instrução bom. Muitas pessoas já pagaram com a vida".
O médico destacou ainda três pontos para garantir a segurança dos procedimentos. São eles: saber se o profissional é habilitado para o procedimento; checar o local onde será feita a cirurgia, se tem o mínimo de estrutura para resolver um possível problema e responder com sinceridade o questionário médico.
"O local onde está operando não precisa ser uma nave espacial da Nasa, mas tem que ter o mínimo de estrutura para resolver um possível problema e o paciente muitas vezes, na pressa de operar, omite medicamentos, omite que fuma ou usa substâncias ilícitas. Existe um conjunto de fatores que devem ser obedecidos", concluiu o especialista.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) informou que abriu uma sindicância para apurar o fato.
Este procedimento é sigiloso, seguindo as normas do Código de Processo Ético-Profissional.
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