'Hollywood': Ryan Murphy reescreve história para criar utopia do cinema
A ficção se habituou a explorar as distopias, os universos em que tudo deu errado para a humanidade. "The Handmaid's Tale" e "Black Mirror", por exemplo, criaram presentes perturbadores e extremamente realistas, a ponto de causar ansiedade em quem as assiste. O contrário —uma utopia— é mais difícil de se ver, mas Ryan Murphy se propôs a realizar esse exercício em "Hollywood", sua minissérie para a Netflix que estreia hoje.
O roteirista e produtor, homem por trás de sucessos como "Glee" e "American Crime Story", uniu-se ao cocriador Ian Brennan para reescrever a história de Hollywood e da indústria do cinema, partindo da seguinte questão: o que aconteceria se as barreiras invisíveis que ainda insistem em limitar a representação de mulheres, negros, gays e minorias diversas pudessem ter sido quebradas lá atrás, ainda nos anos 1940?
Tentando viver o sonho
Quem guia a história é Jack Castello (David Corenswet), jovem veterano de guerra e típico bom moço americano que todo dia vai para a frente do Ace Studios tentar a sorte de conquistar um papel. Desesperado com as rejeições e com uma mulher grávida em casa (Maude Apatow), ele acaba aceitando trabalhar para Ernie (Dylan McDermott, espetacular), que comanda um posto de gasolina onde se oferece muito mais do que serviços automobilísticos, se é que você me entende.
Como a nata de Hollywood frequenta o tal posto, não demora para Jack, enfim, conseguir sua chance nos estúdios, abrindo caminho para a trama apresentar personalidades como Camille (Laura Harrier), jovem atriz negra só lembrada para papéis de empregada; Archie (Jeremy Pope), aspirante a roteirista negro e gay; e um jovem tímido chamado Roy Fitzgerald (Jake Picking), que depois virá a ser chamado de Rock Hudson.
Ficção com toque de realidade
Hudson, que nos anos 1980 se tornou uma das primeiras grandes celebridades a morrer em decorrência da Aids, é apenas uma das referências reais costuradas por Murphy e Brennan em "Hollywood". Há espaço, ainda, para participações de Queen Latifah como Hattie McDaniels, primeira mulher negra a receber um Oscar, e de Michelle Krusiec como Anna May Wong, estrela de ascendência chinesa que foi preterida por Luise Rainier na disputa pelo papel de uma mulher asiática no filme "Terra dos Deuses" (1937). Rainier, uma atriz branca, acabou sendo premiada com o Oscar pelo trabalho.
Cenografia e elenco
A direção de arte faz um belíssimo trabalho de reconstituição da época, com atenção meticulosa aos detalhes, expressa principalmente nas ambientações do Ace Studios e na cerimônia do Oscar de 1948. O mesmo capricho se reflete nos figurinos, o que deve render algumas indicações para a produção no Emmy (caso a premiação realmente ocorra, claro).
Chama a atenção, ainda, o impressionante elenco de veteranos que Murphy conseguiu reunir. Além de McDermott, também se destacam Patti LuPone como Avis Amberg, que se torna a primeira mulher a chefiar um estúdio; Holland Taylor como Ellen Kincaid, diretora de elenco; e Joe Mantello como Dick Samuels, importante executivo do estúdio. O talento deste grupo, felizmente, compensa as deficiências dos atores jovens da produção, que quase nunca conseguem distinguir os personagens que interpretam em "Hollywood" daqueles que interpretam nas produções dentro da minissérie.
Trama com falhas, mas charmosa
Os momentos em que realidade e ficção se encontram são responsáveis por grande parte do charme de "Hollywood", que consegue cativar mesmo que o roteiro não esteja, necessariamente, à altura de outros trabalhos de Murphy.
A maioria dos personagens é pouco desenvolvida, e as soluções encontradas pelo roteiro são, na maior parte das vezes, tão simplistas que chegam a ser ingênuas —adultérios e traições são perdoados na velocidade da luz e os grandes conflitos do filme são resolvidos com quase nenhuma resistência.
A utopia que Murphy quer construir, no entanto, não seria possível sem essa ingenuidade. No fim das contas, é ela que torna "Hollywood" uma experiência agradável: ainda que a série levante questões importantes e urgentes sobre representação e preconceito, é um alívio ver, para variar, uma versão alternativa da história que não inflija ainda mais desgraças a grupos minoritários. É um belo sonho, ainda que passageiro.
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