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'Discurso protonazista' de Alvim motivou luta de artistas por cultura livre

Ana Carolina Silva

Do UOL, em São Paulo

12/03/2020 19h45

Um projeto encabeçado pela APACI (Associação Paulista de Cineastas) quer ganhar voz e corpo nos próximos meses: trata-se do "Movimento Cultura Livre", que reúne dezenas de artistas, músicos, cientistas, cineastas, escritores e atores em campanhas a favor da liberdade da cultura brasileira — na visão dos idealizadores, ela está sob ameaça desde que Roberto Alvim, ex-Secretário da Cultura do governo Bolsonaro, fez um discurso considerado "protonazista" por se assemelhar a um pronunciamento de Joseph Goebbels, ministro da antiga Alemanha Nazista.

"O Movimento Cultura Livre surgiu com aquele discurso protonazista do Alvim. Quando ele fez aquele discurso, ficamos estarrecidos. Nós nos unimos com a intenção de criar um movimento que ultrapassasse o gueto cinematográfico. A gente queria dar uma resposta antitotalitária. O discurso do governo em relação à cultura é de censura, é revanchista, como se todos os artistas fossem comunistas", disse Roberto Gervitz, coordenador do grupo de trabalho do Movimento Cultura Livre, em conversa com o UOL por telefone.

O discurso lido pelos envolvidos, que gravaram seus trechos e cederam suas imagens (assista ao vídeo acima), diz o seguinte: "A cultura é o conjunto de formas de ser e existir de nosso povo. Nossos conhecimentos, nossos costumes e crenças. As diversas culturas que formam a nossa nação formam o seu rosto e a sua alma. O que produzimos na música, no teatro, no cinema, na dança, nas artes visuais, na cultura popular, em todas as demais linguagens, nos espelham e nos projetam para o mundo."

"Sem a cultura, não saberíamos quem somos. Sequer nos identificaríamos uns com os outros. Todo o potencial criativo, toda a engenhosidade e inventividade de um povo se materializam na cultura, na ciência e na educação. O oxigênio da cultura é a liberdade. Uma cultura só respira e se desenvolve na democracia. Com uma cultura tutelada, não há um país. Com uma cultura censurada, não há uma nação", continua o texto.

"Determinar o que é cultura e o que não é, em nome de uma ideologia, religião, é mentir sobre quem somos. Uniformizar a cultura é perpetuar a ignorância e deseducar o nosso povo. Colocar uma camisa de força na cultura resulta em um país triste e prisioneiro. O totalitarismo exclui, a cultura inclui. O totalitarismo imobiliza, a cultura liberta. Um país só será soberano e dinâmico com uma cultura viva, diversa e livre. Só uma cultura livre de amarras garantirá um país inclusivo e democrático. Cultura livre já! Cultura livre sempre!", conclui o vídeo.

alvim - Reprodução - Reprodução
Roberto Alvim em pronunciamento com referências ao nazista Joseph Goebbels
Imagem: Reprodução

O clipe acima conta com estes nomes: Armando Babaioff, Lili Schwarcz, Julinha Lemmertz, Celso Frateschi, Malu Mader, Nando Alves Pinto, Matheus Nachtergaele, Sidney Santiago Kuanza, Dira Paes, Odair José, Bárbara Paz, Bete Coelho, Zeca Baleiro, Zélia Duncan, Chico Buarque, Fernando Morais, Arnaldo Antunes, Juca Kfouri, Laerte e Ignacio Loyola Brandão.

À reportagem, Gervitz contou que o grupo ainda planeja uma manifestação no centro de São Paulo para maio deste ano - a não ser, é claro, que as preocupações com a pandemia do novo coronavírus se estendam até lá.

"A primeira coisa que nós fizemos foi esse manifesto, lido por vários cientistas, compositores, atores, atrizes, todo o meio cultural, e estamos nos preparando para um ato que pretendemos fazer em maio. Um ato que, a princípio, vai ser na Praça das Artes em maio deste ano. Este clipe é para deixar claro o que é a cultura, que é tão estigmatizada por esse governo. A cultura é a vida e o rosto de um país. Torna um país o que ele é", disse ele.

"A gente quis resgatar certas coisas que, na verdade, são óbvias. Mas esta é uma época em que dizer o óbvio é importante. O clipe é a reafirmação de coisas que seriam óbvias há 10 ou 15 anos. Seria 'chover no molhado'. A gente está vivendo um momento em que a humanidade perdeu suas referências democráticas, um momento de grande barbárie, um momento sombrio. É quase uma distopia. Não há arte que floresça vigiada ou tutelada por um estado autoritário", concluiu Roberto.

Estas entidades apoiam o movimento: APACI - Associação Paulista de Cineastas; ABRA - Associação Brasileira de Roteiristas; APAN - Associação dos Profissionais do Audiovisual Negros; Cooperativa Paulista de Teatro; SATED - Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de São Paulo; SIAV (RS) - Sindicato da Industria Visual do Rio Grande do Sul; SINDCINE - Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Industria Cinematográfica e do Audiovisual (SP, PR, RS, MT, MS, GO, TO e DF); STIC - Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Industria Cinematográfica e do Audiovisual (Norte, Nordeste, Sudeste, ES, MG e RJ); ABRACI - Associação Brasileira de Cineastas (RJ); CONNE - Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste.