Banda gospel defende causa gay na cena cristã: 'Cantar mais do que aleluia'
Resumo da notícia
- Banda gospel Preto no Branco defende a causa LGBTQI+ no clipe de "Meu Lugar É Seu Amor"
- Ao UOL, o vocalista do grupo, Clóvis Pinho, falou sobre a intenção de quebrar o tabu entre os gays dentro das igrejas
- O cantor critica os religiosos que discriminam os homossexuais e diz que muitos deles se anulam para fazer parte da comunidade cristã
- A Preto no Branco quer combater a "cultura cristã machista e homofóbica"
Preto no Branco quebrou várias barreiras no meio gospel ao defender a causa LGBTQI+ no clipe de "Meu Lugar é Seu Amor". O novo vídeo da banda é protagonizado pelo ator Guilherme Baptista, de orientação bissexual, e fala de forma delicada como é a relação dos evangélicos com os gays, mostrando o preconceito sofrido desde a infância pelos homossexuais. Ao UOL, o vocalista do grupo, Clóvis Pinho, reforçou a importância de tocar no assunto dentro do meio cristão.
"Preto no Branco já tem essa tradição de falar de tabus no meio evangélico. O assunto por si só já é maciço e quando o clipe foi feito usamos outra música, mas no meio do processo sentimos a necessidade de ter uma música específica para o tema. Foi a primeira vez que a gente fez uma música especialmente para o videoclipe", declara.
O trabalho conta com mais de 150 mil visualizações, em dois dias de lançamento, e o engajamento dos fãs no canal da banda, com quase três milhões de inscritos, é surpreendente. A maioria são comentários positivos, apoiando a atitude da Preto no Branco. Em uma das várias mensagens, um jovem relata ter tentado suicídio diversas vezes por conta da discriminação e preconceito sofrido.
Cada história que a gente ouve faz valer a pena nosso trabalho. Nós achamos que seria pancada do começo ao fim e nós temos até nos espantado positivamente com a aceitação do trabalho. Claro que sempre tem as pessoas com ódio todo no coração. Mas a maioria tem sido de apoio à causa.
A necessidade de expor o assunto foi detectada ao ver pessoas próximas e até mesmo da família deles passando por este problema.
"A gente sente o reflexo da nossa cultura cristã machista e homofóbica o tempo todo. Decidimos ser a voz de muita gente que não tem. Nós percebemos uma comunidade muito grande dentro da própria igreja, mas que não tinha voz. Ninguém fala sobre o assunto, finge que não existe", lamenta.
O desejo partiu ao olhar com mais profundidade os gays presentes na igreja, que são obrigados a se anular o tempo todo para fazer parte da comunidade. "A maioria dos profissionais gays, que cuidam dos camarins das pastoras, inseridos dentro da logística do show gospel e de eventos da igreja, ficam invisíveis, muitas vezes. É um drama para essas pessoas ser o que é, viver a sua sexualidade", opina.
Clóvis afirma que a igreja está mais apta a aceitar o heterossexual "pegador" do que um gay com um parceiro fixo. "Temos que abraçar todo mundo, todo mundo mesmo. O amor acima de qualquer coisa tem que estar presente em nossos corações. É esse tipo de situação discriminatória que temos que combater", condena.
Ao ser questionado se houve uma preocupação em parecer uma jogada de marketing se apropriar de uma temática atual, Clóvis dispensa qualquer suposição de interesse em promover a banda em cima do público gay.
"É absurda essa alusão. A gente perde mais do que ganha, abraçando este tema na nossa comunidade. Nós fechamos portas, perdemos agenda. Não é algo confortável de fazer no nosso meio gospel. Mas decidimos seguir o nosso coração. Jesus não morreu só por heterossexuais. Ele morreu por todos nós", prega.
Clóvis responsabiliza a ala mais conservadora da igreja pelo afastamento de jovens da religião, ao sentirem o peso de todo o julgamento dos cristãos em relação à vida sexual e sentimental deles.
"A gente não quer conquistar uma vantagem para o público LGBTQI+. Queremos conquistar uma igualdade para quem se sente desprezado por Deus. Esse cara já foi tão desprezado por pessoas da ordem eclesiástica, por pastores, que o cara olhava para esses líderes como porta-voz de Deus e no momento que ele se sentiu rejeitado, ele sentiu rejeitado pelo próprio Deus", constata.
A intenção da banda, que ficou famosa ao viralizar o louvor "Ninguém Explica Deus", vídeo gospel mais assistido do YouTube no Brasil, somando mais de 450 milhões views, é fazer com que os homossexuais não se sintam mais rejeitados no meio evangélico e incentivar outros grupos a fazer o mesmo.
"O que o Preto no Branco está fazendo nada mais é que um pedido de desculpas em nome de todo esse pessoal que errou desta forma e mostrar que Deus não te odeia. Ele te aceita, te ama como você é. Espero que outros artistas no meio gospel sigam este exemplo também, de levar a palavra de Deus para todos, sem excluir, que queiram cantar mais do que aleluia", sugere.
O músico faz um apelo para ala conservadora da igreja. "Vejo como uma grande oportunidade dos cristãos se libertarem. Neste momento, vejo muito intercâmbios culturais dentro da arte. Acho que é uma oportunidade de mostrar o jeito que a gente pensa. Estamos em uma virada de década. Não podemos mais aceitar um conservadorismo excessivo", critica.
"Também não é preciso o liberalismo excessivo. O ideal é sempre encontrar um equilíbrio, como tudo na vida. Priscila Alcantara é uma das artistas que faz parte desse grande expoente gospel. Dá para ver que ela já é uma mulher com consciência de empoderamento muito grande e massivo", exemplifica Clóvis citando a ex-apresentadora infantil do SBT. Atualmente, Priscilla Alcantara é cantora gospel renomada, de uma ala mais progressista da igreja.
O cantor relembra outras evoluções históricas das religiões cristãs. "O próprio negro era excluído, por ser considerado a cor do pecado antigamente pela igreja. Tudo evolui. Todos os preconceitos estruturais que fazem parte da nossa cultura e a gente recebe como verdade na nossa formação é mais difícil de desconstruir. Mas nunca é tarde para mudar", aconselha.
Clóvis é contra o alienamento adotado por muitas congregações religiosas. Para ele, a riqueza intelectual é adquirida com o conhecimento amplo de elementos culturais que vão muito além dos muros da igreja. "Sou baiano e nunca deixei de ouvir Gilberto Gil, Caetano Velosos e ler os poetas maravilhosos da minha terra. Isso me trouxe muita informação e bagagem", justifica.
A primeira música de trabalho do grupo foi compartilhada por diversas estrelas, como Wesley Safadão, Marília Mendonça, Neymar e Claudia Leitte. Como bom fiel, o artista não perde sua fé. Clóvis reconhece a propagação da onda de conservadorismo do governo de Jair Bolsonaro, mas ainda tem esperança em mundo melhor.
"Apesar do nosso momento político não ser o ideal, a gente está em um processo bacana de arte e cultura no nosso país. Temos que ter sempre esperança nos tempos melhores, de mais tolerância, empatia e respeito", deseja.
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