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Série reapresenta Hillary Clinton para o mundo

Hillary Clinton durante coletiva de imprensa do filme "Hillary" no Festival de Berlim - David Gannon/AFP
Hillary Clinton durante coletiva de imprensa do filme "Hillary" no Festival de Berlim Imagem: David Gannon/AFP

Mariane Morisawa

Colaboração para o UOL, em Berlim

25/02/2020 10h53

Durante sua vida, Hillary Rodham Clinton foi chamada de falsa e de arrogante, de corrupta, de fraca por ter continuado o casamento depois de uma traição, de incompetente por causa do ataque ao posto diplomático em Benghazi, até de assassina — com o marido, o ex-presidente Bill Clinton, é alvo de várias teorias da conspiração, inclusive de que teriam matado seu amigo Vince Foster. Ela fala de tudo isso na série documental em quatro episódios "Hillary", de Nanette Burstein, que passa na Sessão Especial do 70º Festival de Berlim. "Na minha lápide, queria que estivesse escrito: Ela não foi nem tão boa nem tão má quanto algumas pessoas falaram", diz no documentário a advogada, ex-primeira-dama, ex-senadora, ex-secretária de Estado e candidata derrotada por Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

"Hillary" não esconde sua simpatia pela sua personagem. A diretora, indicada ao Oscar de documentário por "On the Ropes" (1999), usa imagens de arquivo intercaladas com filmagens da campanha de 2016 e entrevista amigas de colégio e da universidade, membros de sua equipe de primeira-dama, no Senado e na campanha eleitoral, além de seu marido, o ex-presidente Bill Clinton e a filha Chelsea. A própria Hillary aparece mais aberta do que de costume, falando inclusive da dor de descobrir a traição e a mentira do marido, que negou e depois admitiu seu caso com a estagiária Monica Lewinsky. O próprio Bill Clinton se emociona ao relembrar o sofrimento que causou à mulher e à filha.

Hillary Clinton deixa claro que ao longo da vida se sentiu alvo por causa do seu sexo. "Como eu apareci num momento em que quase não havia mulheres, gerei muitas reações", disse em entrevista coletiva no Festival de Berlim. Muitas vezes, foi pioneira. Ela foi uma das poucas mulheres no curso de Direito em Yale, a primeira sócia do sexo feminino do escritório de advocacia em Little Rock, uma das raras senadoras e uma das poucas a concorrer à presidência — e a única que realmente teve chance de ganhar. Um membro de sua equipe conta que durante a campanha o que mais ouvia eram conselhos de como ela deveria se vestir, se pentear e se comportar. Outra conta que perguntou então quem era o modelo de mulher que Hillary deveria seguir — a resposta nunca veio.

Ela acha que as coisas melhoraram um pouco para as candidatas que disputam as primárias este ano, como as senadoras Elizabeth Warren e Amy Klobuchar. "Como eu era a única mulher concorrendo, todo o mundo tinha suas visões, seus preconceitos, suas expectativas colocadas em uma única pessoa", disse. "E eu afirmei que esperava que mais mulheres concorressem para que isso fosse tratado como algo corriqueiro, para que acabasse a síndrome do cachorro falante - aquela coisa de olha só, uma mulher! Desta vez, tivemos mais mulheres, mas claro que ainda vemos alguns exemplos de dois pesos e duas medidas. Fizemos progresso, mas temos um longo caminho a percorrer."

Clinton também comentou a condenação do produtor hollywoodiano Harvey Weinstein por estupro e abuso sexual. "Eu acho que o veredito fala por si só." A ex-secretária de Estado chegou a receber doações de Weinstein. "Ele doou para todos os candidatos democratas, Al Gore, Barack Obama. Não sei se sua condenação deveria esfriar a vontade de ninguém de contribuir com campanhas políticas, mas certamente deveria acabar com o tipo de comportamento pelo qual ele foi condenado."

Mesmo tendo passado por tanto escrutínio, as pessoas têm a impressão de que não a conhecem. O documentário é uma tentativa de reapresentá-la novamente ao público. "Eu respeito as opiniões. Mas houve um esforço deliberado de passar uma imagem falsa de mim. Então houve muita gente mal informada", disse.

Ela aproveitou para alfinetar o presidente russo Vladimir Putin. "Ele sabia exatamente quem eu era. Ninguém precisa gostar de ninguém, nem concordar com ninguém, mas acho que deveríamos escolher nossos líderes sem interferência", afirmou, referindo-se à conclusão das agências americanas de que a Rússia atuou em campanhas de desinformação nas eleições de 2016.