Ex-ministros divulgam manifesto contra extinção do Ministério da Cultura
Os ex-ministros da Cultura Luiz Roberto Nascimento Silva (Itamar Franco, 1993-1994), Francisco Weffort (Fernando Henrique Cardoso, 1995-2002), Juca Ferreira (Lula, 2008-2011; Dilma Rousseff, 2015-2016), Marta Suplicy (Dilma Rousseff, 2012-2014) e Marcelo Calero (Michel Temer, 2016) divulgaram hoje um manifesto afirmando que a extinção do Ministério da Cultura é um erro.
Os ex-ministros se reuniram no Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo), onde debateram sobre o atual momento do país. "Assistimos, com preocupação, o crescente ambiente antagônico às artes à cultura, que pretende enfraquecer as conquistas que o Brasil alcançou nestes anos de democracia. A primeira e mais primordial das responsabilidades do Estado é garantir a plena liberdade de expressão", diz um trecho do documento.
"A extinção do Ministério da Cultura é um erro. A existência do Ministério tem garantido um olhar à altura da relevância da cultura e da arte da vida brasileira. Mesmo com recursos limitados, a pasta foi capaz de defender, formular, fomentar, criar e inovar a relação do Estado com a sociedade no plano da cultura, em respeito às tradições brasileiras desde o império", continua o texto.
No encontro com jornalistas, Juca Ferreira disse que, caso o governo siga adiante com as políticas atuais, o resultado será o de terra arrasada. "Acho que os artistas podem sofrer mais agora do que sofreram na ditadura militar. Muitos já começaram a sofrer censuras e perseguições", afirmou. "O governo atual é belicista", concluiu.
Francisco Weffort destacou o texto curto e sucinto do documento como prova de sua contundência e urgência. "Estamos estrangulados. O governo que hoje administra a nação não percebeu a importância da cultura. Neste documento, predominou o clima de consenso entre os diferentes ministros".
Para Marcelo Calero, as decisões estão sendo tomadas por "histerias e memes", sem avaliação de estudos e sem pesquisas. "O governo se alimenta de retóricas e ela está prevalecendo aos aspectos técnicos. O governo atual aumenta a temperatura da fervura e não colabora com o equilíbrio e ponderação".
A ex-ministra Marta Suplicy apontou que "não se extingue a cultura". "Ela (a cultura) se transforma com a ajuda ou não do estado. Agora, eles estão destruindo todo o trabalho que fizemos e que terá que ser refeito. Eles não conseguem entender o conceito de cultura", disse. Ela afirmou também que neste governo, as minorias não estão se sentindo mais tranquilas no exercício de sua cidadania. "Este documento é um basta. Não aceitamos o que está acontecendo e vocês serão os responsáveis pelo que vai acontecer. Eu sinto que este documento transmite a nossa indignação".
Encontro inédito
Esta é a primeira vez que cinco dos responsáveis pela pasta ao longo de quase três décadas se reúnem para avaliar as conquistas, ameaças e o que ainda precisa ser feito na área. Todos eles afirmaram que "o encontro de hoje não tem partido" e são de ex-ministros de governos e orientações distintos, mas que compartilham da mesma preocupação.
Para Luiz Roberto Nascimento Silva, o encontro inédito dos ex-ministros não é partidário. "Seria pretensão nossa ir além do manifesto. O que nos cabe foi feito e pela primeira vez diferentes ministros de diferentes administrações se juntaram para botar no papel questões conjuntas".
O Ministério da Cultura, ou MinC, foi criado em 1985 pelo presidente José Sarney. A pasta era responsável pelas letras, artes, folclore e outras formas de expressão da cultura nacional e pelo patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural do Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro anunciou em novembro do ano passado a extinção do MinC, após ser eleito. As atribuições do ministério foram incorporadas ao Ministério da Cidadania, que absorveu também a estrutura do Ministério do Esporte e do Ministério do Desenvolvimento Social.
Leia a íntegra do Manifesto:
Nós, ex-ministros da cultura que servimos ao Brasil em diferentes governos, externamos nossa preocupação com a desvalorização e hostilização à cultura brasileira. Reafirmamos a importância da cultura em três dimensões básicas como expressão da nossa identidade e diversidade, como direito fundamental e como vetor de desenvolvimento econômico, contribuindo decisivamente para a geração de emprego e renda. Criar e usufruir cultura altera a qualidade de vida das pessoas e permite o pleno desenvolvimento humano de todos os brasileiros e brasileiras.
Assim, carece de sentido a redução de recursos de forma contínua para o setor cultural. Isso tem se dado pelo contingenciamento do Fundo Nacional de Cultura e pela demonização das redes de incentivo, notadamente a Lei Rouanet.
O Estado tem responsabilidades intransferíveis para a garantia do desenvolvimento social e cultural do país e para a realização dos direitos culturais do povo brasileiro. Ele proporciona espaços, oportunidades e autonomia para que a cultura se produza. O Estado democrático possibilita as condições necessárias para o acesso de todos às criações culturais. Assistimos, com preocupação, o crescente ambiente antagônico às artes e à cultura, que pretende enfraquecer as conquistas que o Brasil alcançou nestes anos de democracia. A primeira e mais primordial das responsabilidades do Estado é garantir a plena liberdade de expressão.
O passado alimenta o futuro. Por isso, a preservação das conquistas institucionais e leis aprovadas pelo Congresso não podem ser ignoradas por quaisquer governos. A extinção do Ministério da Cultura é um erro. A existência do Ministério tem garantido um olhar à altura da relevância da cultura e da arte na vida brasileira. Mesmo com recursos limitados, a pasta foi capaz de defender, formular, fomentar, criar e inovar a relação do Estado com a sociedade no plano da cultura, em respeito às tradições brasileiras desde o império.
A arte e a cultura brasileira, além de sua relevância interna, têm contribuído para uma imagem positiva do país no exterior. O interesse efetivo por diversas manifestações e criações culturais brasileiras é razão de orgulho e ativo importante da afirmação do país no conjunto das nações.
Assinam este documento os ex-ministros da Cultura: Francisco Weffort, Juca Ferreira, Luiz Roberto Nascimento Silva, Marcelo Calero e Marta Suplicy.
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