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Como era o Baile da Gaiola e por que querem prender Rennan da Penha?

DJ Rennan da Penha em apresentação em casa noturna - Reprodução
DJ Rennan da Penha em apresentação em casa noturna Imagem: Reprodução

Matias Maxx

Colaboração para o UOL, no Rio

26/03/2019 04h00

Quem viveu esse verão na pista certamente se divertiu com o Baile da Gaiola. "Tá na Gaiola", "Vou pro Baile da Gaiola", "Vamos pra Gaiola", hits de Kevin o Chris, e "Me Solta, Porra", de Nego do Borel, são apenas quatro que citam o baile funk.

Em sua milionária festa de aniversário, no mês passado, o menino Neymar subiu ao palco para cantar "Bigodinho fininho, cabelinho na régua" e, no início do "BBB" deste ano, a casa foi dividida em duas facções: Villa Mix (a balada sertaneja de SP) e Baile da Gaiola.

Diferente do que o nome sugere, não há no baile nenhuma gaiola nem sacanagens explícitas como as músicas descrevem. A referência foi herdada do Bar da Gaiola, um boteco cercado de grades, onde um grupo de pagode antecedia a apresentação do DJ Rennan da Penha.

Precursor do funk 150 BPM, de batidas mais aceleradas, Rennan, sábado após sábado, fez o público ultrapassar as grades do botequim, sufocar o pagode até fechar seis quadras do bairro da Penha, transformando-se na maior festa de favela do Rio.

O evento não era exatamente na favela, mas bem próximo dela, na rua Aymoré e em algumas travessas. Depois de operações policiais malsucedidas, com tiros e correria, no mês passado, o Baile da Gaiola foi suspenso.

Agora, é a estrela da festa quem está no olho do furacão. Aos 25 anos, negro e favelado, Rennan rompeu os domínios da zona norte carioca e ganhou o showbiz. Programa na FM O Dia, 60 apresentações por mês e contrato com a Sony Music foram algumas de suas conquistas.

DJ Rennan da Penha, do "Baile da Gaiola" - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
DJ Rennan da Penha, do "Baile da Gaiola"
Imagem: Reprodução/Instagram

Rennan já havia sido absolvido em um processo de 2015 por associação ao tráfico. Na semana passada, a decisão foi revertida por um desembargador e agora o DJ aguarda uma ordem de prisão, que pode afastá-lo da cena por até seis anos e oito meses.

Em nota, o advogado Nilsomaro Rodrigues classificou a decisão de "estapafúrdia", afirma que o DJ "representa a cultura negra da periferia e justamente por isso sofre amplo preconceito fora do ambiente onde nasceu" e ressalta que a pena imposta está "acima do mínimo legal em desrespeito à primariedade do acusado".

Renan Santos da Silva, segundo o desembargador responsável pelo caso, tinha a função de "olheiro", relatando "a movimentação dos policiais através de redes sociais e contatos no aplicativo WhatsApp".

No processo, ele ainda é apontado por uma testemunha como o "DJ dos bandidos" e que organiza bailes funks nas comunidades do Comando Vermelho para atrair mais pessoas.

Rolézinho

A estrutura do Baile da Gaiola lembrava a de uma quermesse, com barraquinhas de comidas e bebidas espalhadas pelas calçadas. As ruas eram cobertas com lonas de circo e três ou mais equipes de som tocavam. Se fosse em São Paulo seria um fluxo, ou um gigantesco rolézinho de bairro.

Cada equipe de som tem seu paredão de caixas acústicas, projetadas para tocar o grave mais pesado do mundo. Ao passar perto, dá para sentir a pressão do som batendo no pulmão e estômago, sufocando a respiração e fazendo vibrar, na batida acelerada da música, todas as cartilagens do corpo.

Com fama de melhor baile do Rio e atraindo frequentadores da zona sul, o Baile da Gaiola mantinha um perfil jovem e periférico, um mar de pessoas bonitas requebrando os corpos em passinhos neuróticos.

Enquanto as mulheres rebolam com a mão no joelho, numa espécie de twerk tropical, a maioria dos homens faz o passinho, uma dança que evoluiu na internet, combinando break, frevo, ballet clássico e voguing. O passinho é uma dança majoritariamente masculina praticada por heterossexuais vaidosos com cabelo cortado na régua e sobrancelha feita.

Mano Brown e diversidade

O baile também ficou conhecido por receber de boa os LGBTQ+. Em dezembro, Rennan convocou uma edição especial para esse público. Viviane Araújo foi e subiu ao palco pra sambar na cara da homofobia.

Atrações como Nego do Borel, Mano Brown, Kevin o Chris, Filipe Ret e Poesia Acústica tocaram na Gaiola. Sem camarim, camarote ou mordomia, diga-se.

Assim como em qualquer outra comunidade, a festa só era possível com a colaboração dos bares, mercadinhos e dos moradores que trabalhavam vendendo comes e bebes. E, como acontece em praticamente todas as periferias, há varejistas de drogas e seus soldados armados, que costumavam ficar em ruas próximas das entradas do baile, afastados da muvuca.

A cena pode até causar estranhamento para quem não conhece o cotidiano das favelas do Rio, mas é importante lembrar que eles estão lá todos os dias do ano, não só nos sábados de baile.

Depois da suspensão involuntária da Gaiola, Rennan continuou com a rotina de apresentações (a sua equipe tem dez pessoas, incluindo dançarinas e dois anões), com agenda lotada até julho, entrevista ao programa de Pedro Bial marcada e as músicas entre as mais tocadas nas plataformas digitais.

Exemplo de criatividade e sucesso, Rennan é também mais um "Silva", um jovem periférico cuja estrela brilhou. Buscando responder à pergunta "Por que toda atividade criada na periferia é taxada de criminosa ou ilegal pelo Estado?", ativistas organizam um Baile da Gaiola, em frente ao Tribunal de Justiça do Rio, no centro, nesta quinta-feira, a partir das 17h.