Roteirista de "Brexit" diz ver relação entre manipulação na web e violência
Quão possível é capturar nas telas um fato histórico que ainda está em andamento? Ainda mais um capaz de provocar debates ferrenhos em todos os cantos do espectro político? O dramaturgo e roteirista inglês James Graham resolveu mexer nesse vespeiro com "Brexit", filme da HBO sobre a controversa separação do Reino Unido da União Europeia - atualmente empacada em frente a retrocessos enfrentados pelo governo da primeira-ministra britânica Theresa May.
O longa, que estreou no Brasil no último dia 2, é centrado em uma personalidade decisiva do Brexit: o estrategista político Dominic Cummings, que coordenou a campanha em favor da saída do Reino Unido do bloco europeu, em 2016. Interpretado por Benedict Cumberbatch, o marqueteiro é uma figura controversa - sua campanha pelo "leave", além de ter sido recheada de promessas questionáveis, como a de que o governo economizaria 350 milhões de libras por semana fora da União Europeia, é investigada por supostamente ter excedido o limite de gastos, estipulado em sete milhões.
"Dominic demonstrou uma habilidade extraordinária com as decisões que tomou", avalia Graham, ao UOL, ao explicar porque escolheu centrar sua história no marqueteiro. "As estratégias, as políticas, as declarações... Todas as coisas que ele criou levaram a acreditar que você deveria embarcar na campanha do 'leave'. Acho que foi muito revolucionária a forma que ele encontrou para passar suas mensagens para as pessoas. Dominic é surpreendente, imprevisível e extremo em seus comportamentos".
Isso não significa que o autor, figura conhecida no Reino Unido por dramas políticos como "This House" e "Coalition", seja ingênuo em relação aos métodos de marketing viral empregados pela campanha do Brexit - muito semelhantes aos utilizados também por campanhas como as de Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. "Eu tento não entrar em teorias de conspiração sobre manipulação, porque não acho que isso seja necessariamente algo conduzido por pessoas poderosas e malignas, mas essas plataformas [redes sociais] podem ser perigosas também".
Graham vê com especial preocupação a relação entre esse novo marketing e os discursos de violência que dominam as redes. "Não sabemos como medir o impacto dessas mensagens, e a manipulação é uma preocupação. As pessoas veem o que querem ver. Posso ver isso no seu país, no meu país, no resto do mundo: o factual se torna limitado ao que as pessoas querem ver. Vejo esse tipo de manipulação ligado à ascensão do populismo e a mensagens mais violentas e agressivas".
Por que agora?
Desde que "Brexit" - o filme - foi anunciado, Graham se viu obrigado a responder a mesma questão: por que falar agora de um assunto que ainda está longe de ser concluído? "O Brexit é o assunto mais passional do país no momento, mas eu não esperava que as pessoas questionassem a política do filme, ou se era certo fazê-lo ou não. Eu venho do teatro e sempre fui acostumado a fazer isso. Muitas pessoas ficaram surpresas, muitas disseram que o filme deveria sair daqui a dez anos. Mas para mim, esse é o poder do filme, de pegar essa controvérsia e tentar ajudar, tentar mostrar outro ponto de vista, tentar humanizar o personagem e criar empatia".
Esse processo de criar um retrato imparcial, sem pender para qualquer um dos lados do espectro político, foi o maior desafio do roteirista, que votou pela permanência do Reino Unido na União Europeia. "Obviamente, não dava para pender para um lado ou outro. Acompanhei o quanto a campanha foi ficando mais extrema e mais polarizada, e gostei desse exercício, de ver pessoas como Dominic Cummings e basicamente entrar no ponto de vista delas. Desde o começo, eu não queria tomar um lado. O objetivo do filme era olhar a mecânica de uma campanha dessa e qual o impacto dela na política ao redor do mundo".
Graham define toda a situação em torno do Brexit como "um caos extraordinário". "Tem sido um processo imprevisível e até perigoso, então o que uma pessoa pode fazer é tentar refletir esse clima. Você não pode mudar a história, mas pode tentar capturar o momento", reflete ele, que se diz empolgado de assistir ao filme à luz dos recentes desdobramentos: "Há muito material cinematográfico para futuras sequências".
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