Sem patrocĂnio da Petrobras, diretores e produtores temem desmonte do cinema
Felipe Branco Cruz
Do UOL, em SĂŁo Paulo
14/02/2019 10h58
Resumo da notĂcia
- Bolsonaro quer focar recursos, entre outros, em educação infantil
- Petrobras tem contratos de patrocĂnio atĂ© 2021 que somam R$ R$ 453 milhões
- Diretora vĂŞ "dano muito grande" ao Festival de Cinema do Rio
- Petrobras foi procurada para se pronunciar, mas nĂŁo respondeu
O tuĂte do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre a revisĂŁo de "todos os patrocĂnios da Petrobras" causou surpresa e preocupação entre diretores, produtores e organizadores de festivais de cinema. Segundo o presidente, o objetivo Ă© focar os recursos em educação infantil e na manutenção do empregado Ă Orquestra Petrobras.
Caso os patrocĂnios culturais nĂŁo sejam renovados, grupos culturais importantes do paĂs correm o risco de ficar sem suas principais fontes de renda. Ao todo, atĂ© 2021, a Petrobras tem contratos de patrocĂnio firmados em governos anteriores que somam R$ 453 milhões.
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No que diz respeito ao cinema, um dos maiores prejudicados com o corte seria o Festival de Cinema do Rio, que recebeu da Petrobras no ano passado R$ 750 mil. Este valor foi apenas a metade do que eles receberam em 2017, já afetados por cortes do último governo.
A diretora de comunicação e marketing do Festival de Cinema do Rio, Vilma Lustosa, disse ao UOL que está em conversa com a Petrobras e que ainda nĂŁo foi informada de qualquer corte. "Se a Petrobras deixar de patrocinar o festival, será um dano muito grande. NĂŁo sei o que vai acontecer [com relação ao patrocĂnio], mas vamos, sim, realizar o festival este ano", afirmou.
Vilma disse que está trabalhando para levantar o patrocĂnio. "O Festival do Rio tem uma histĂłria relevante para o paĂs. Tenho certeza de que o governo nĂŁo vai querer interrompĂŞ-la. O segmento do audiovisual Ă© pujante no paĂs", disse. "NĂŁo quero nem trabalhar com a hipĂłtese de cortes. Antes de comentar qualquer coisa, preciso que eles digam algo para a gente".
Aliada do cinema brasileiro
A cineasta LaĂs Bodanzky, que teve quatro filmes patrocinados pela Petrobras, inclusive o premiado "Bicho de Sete Cabeças", lamenta os cortes e antevĂŞ um provável desmonte do cinema nacional. "A Petrobras se firmou como uma empresa que entende a importância da cultura e do cinema brasileiro. Tudo que Ă© interrompido fica muito mais complexo para ser recomeçado. Ainda mais em uma decisĂŁo tomada unilateralmente, sem diálogo", disse.
LaĂs afirma que a indĂşstria está aberta para conversar com o governo e apresentar nĂşmeros que comprovam a importância da cultura para a economia do paĂs. "Nos Estados Unidos, a indĂşstria cinematográfica Ă© tĂŁo grande quanto a indĂşstria bĂ©lica", afirmou.
Para ela, a maior preocupação agora Ă© com a Ancine (AgĂŞncia Nacional do Cinema). "É ela que está gerindo a polĂtica cinematográfica. Se acabarem com ela, aĂ vamos retroceder aos anos 1990. A criação da Ancine foi feita justamente para evitar que mudanças de governo modificassem tambĂ©m as polĂticas culturais no cinema. Ela foi criada para dar continuidade a um trabalho. NĂŁo dá para jogar tudo fora e recomeçar".
O cineasta Kleber Mendonça Filho, de "Aquarius" e "O Som Ao Redor", tem opiniĂŁo semelhante Ă de LaĂs. "Me pergunto se cortar apoio Ă Cultura via Petrobras Ă© uma ideia que foi discutida e pensada. Ou se o novo governo entende que um paĂs rico como o Brasil deve apoiar a sua cultura, e que ela mobiliza uma rede ampla de profissionais em todo o paĂs, como qualquer outra área de trabalho na sociedade. Projetos tĂŞm impactos na sociedade, na educação e na cidadania", disse. "A decisĂŁo parece ter sido fruto de um erro transformado em ação".
A preocupação Ă© compartilhada por Paulo Henrique da Silva, presidente da Abraccine (Associação Brasileira de CrĂticos de Cinema). "A Petrobras foi importante aliada para a reestruturação do cinema brasileiro apĂłs a extinção, em 1989, da Embrafilme", disse.
"É preciso saber qual o entendimento de cultura para o governo e se, com a perda de investimento da Petrobras, haverá modelos de incentivo capazes de substituir o relevante papel que a estatal vinha exercendo no estĂmulo Ă produção nacional, que, em pouco mais de 20 anos, se transformou num elemento fundamental dentro da indĂşstria da economia criativa, gerando milhares de empregos", completou.
Artistas sĂŁo inimigos?
A atriz e cineasta Karine Teles enxerga nesses cortes uma tentativa de demonizar o artista e tentar calar os profissionais. "Me parece que está rolando um movimento para tentar coibir o artista. A cultura é indissociável da educação. Do contrário, a gente vira uma máquina, e não um ser humano", disse.
O cineasta Aly Muritiba, de "Para a Minha Amada Morta", tambĂ©m enxerga perseguição no corte dos patrocĂnios. "Me parece uma jogada populista para, de alguma maneira, penalizar a categoria artĂstica", afirmou. "Meu receio Ă© de que a Petrobras seja apenas o começo de um projeto de aparelhamento do governo. Acredito, no entanto, que mexer com o setor do cinema sob o argumento econĂ´mico, nĂŁo vai colar".
Procurada pela reportagem, a Petrobras se manifestou por meio de nota:
"A Petrobras está revisando sua polĂtica de patrocĂnios, em alinhamento ao novo posicionamento de marca da empresa, com foco em ciĂŞncia e tecnologia e educação, principalmente infantil. Os contratos atualmente em vigor estĂŁo com seus desembolsos em dia."