Ator cego estrela peça em que debate sexualidade: "Tive de criar meu mercado"
"Um Homem Comum". Este é o nome da peça criada e estrelada pelo paulista Edgar Jacques, que busca mostrar como a vida de um deficiente visual, como ele, tem questões e situações que muita gente sequer se dá conta. Amizade, confiança e até sexo são alguns dos temas retratados pelo ator, que criou este roteiro ao ver que a única chance de seguir seu sonho profissional era construir seu próprio mercado.
A peça "Um Homem Comum" nasceu no fim de 2012 e ganhou palco em 2016, no Teatro Escola Macunaíma. Em 2019, chega à sua terceira temporada, agora no Teatro Shopping West Plaza, na zona oeste de São Paulo. E a primeira ideia trazida por Jacques foi falar da sexualidade de um rapaz com deficiência visual.
"O texto discute como uma pessoa que cresceu isolada do mundo, sem enxergar, cria as referências físicas. Como uma pessoa sabe se seu corpo responde a um padrão de normalidade, por exemplo? Ao mesmo tempo, fala sobre a maneira como uma pessoa com deficiência visual é vista como uma pessoa sem libido, é colocada numa posição angelical, é vista como intocável", explica o ator em conversa com o UOL.
Para ele, as pessoas não entendem que este é um assunto importante para os cegos, que eles também lidam com esse tipo de questão.
Cego desde os 3 anos
Jacques não enxerga desde os 3 anos, quando trepou em um móvel e em um desequilíbrio na hora de descer, caiu de cabeça no chão. Hoje, tem apenas 3% de visão e as lembranças da decoração da sua festa de aniversário dos 3 anos e dos programas de TV a que assistia. Crescer nessa condição o fez experimentar essas sensações que a peça traz. O roteiro não é biográfico, mas registra muito do que o ator vivenciou ainda na adolescência.
"Eu acho que os sentimentos do protagonista são muito meus. Ele tem 19, eram os sentimentos que eu vivia naquela época. Algumas angústias e medos que ele tem das outras pessoas, de como vai ser aceito, ou de como vão lidar com ele, são coisas que eu trouxe minhas. E ele tem uma ironia, uma implicância que é muito minha. Ele não é um herói tradicional, não é corajoso e tem um humor ácido, que também tem a ver comigo", opina o ator.
Enquanto crescia em Mogi das Cruzes (SP), Edgar Jacques frequentou escola regular e se apoiou principalmente nos pais, literalmente, até chegar ao teatro. Jovem, ele passou por uma resistência em relação à sua condição. Foi quando recebeu uma propaganda de uma oficina de atores oferecida pela prefeitura local que sua vida começou a mudar.
Desenhando a própria estrada
"Sempre gostei muito de literatura, de inventar história. E descobri ali um novo jeito de contar histórias, de ser outras pessoas. Passei seis meses ensaiando uma cena de dois minutos, estava muito nervoso, mas quando eu entrei em cena senti: 'Quero fazer isso da minha vida'". Depois dessa experiência, fez um curso de mobilidade, passou a usar a bengala tátil para não depender dos familiares e ir a São Paulo para estudar no Teatro Escola Macunaíma.
"Tive que ir criando as minhas possibilidades de trabalho. Tudo era a primeira vez. Eu fui só o segundo aluno na escola inteira a ser cego, então, fui cavando espaços, testando e errando. E não adianta que as pessoas sejam condescendentes com você, que falem 'que bonitinho', 'que gracinha'. Qualquer coisa que se faça, as pessoas acabam elogiando, pela deficiência exposta e não pela atuação. Então, comecei a falar: 'se estiver ruim, me fala. Eu preciso ser bom no que estou fazendo, é minha profissão'. E me cerquei de profissionais que exigiam de mim", explica Jacques.
A partir deste pensamento, ele criou "Um Homem Comum", inventando primeiro os personagens, passando pela história inteira e, com ela pronta, buscando críticas e sugestões para fechar o texto.
Hoje com o sonho de ter sua peça no teatro, Edgar Jacques amplia a experiência fazendo um bate-papo após a apresentação, para ouvir o público e passar mais de suas experiências. Há ainda sessões com acessibilidade, com audio-descrição e tradução em libras.
Serviço:
"UM HOMEM COMUM"
Teatro WEST PLAZA - Sala Laura Cardoso
Endereço: Av. Antártica, 408 - Água Branca - São Paulo, SP
Quando: Todas as quartas-feiras, até dia 27/02
Horário: 20h30
Ingressos: de R$ 20,00 a R$ 60,00
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