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Kendrick e SZA podem trazer o quarto Oscar de melhor canção pro hip-hop

Kendrick Lamar durante show em Denver, nos Estados Unidos - Jeff Kravitz/FilmMagic
Kendrick Lamar durante show em Denver, nos Estados Unidos Imagem: Jeff Kravitz/FilmMagic

Ronald Rios

Especial para o UOL

02/02/2019 12h09

Não é nenhum segredo que o hip-hop é ignorado em algumas categorias importantes nos maiores prêmios da indústria do entretenimento. Por exemplo, como "To Pimp a Butterfly" do Kendrick Lamar ou "4:44" do Hova perderam na categoria "disco do ano" no Grammy para Taylor Swfit e Bruno Mars, respectivamente, são anomalias que nunca vou entender. Você pode falar que gosto é subjetivo e eu posso lembrar você que o mau gosto é explícito. "Illmatic" não chegou nem a ser indicado em 94. O "Marshall Mathers LP", disco mais importante da carreira do Eminem, e fonte direta de inspiração pros Kendricks, Coles, Logics e quem mais veio depois; perdeu para um disco do Steely Dan.

Steely Dan? Steely quem? Pois é.

Em 2003, "Get Rich or Die Tryin'" do 50 Cent foi o maior disco de estreia que um MC já teve. 12 milhões de cópias vendidas. Nenhum outro rapper conseguiu isso num primeiro disco. 50 Cent era um fenômeno maior que tudo, com o bumbo, claps e horns de "In Da Club" reconhecidos em qualquer parte do mundo.

O prêmio de revelação daquele ano foi pro Evanescence.

Então se o Grammy se mostra consistentemente ignorante sobre seu assunto principal - música -, imagina o Oscar, que tem mil outras coisas para observar, entre documentários, filmes estrangeiros, figurinos e efeitos especiais. É lógico que música não vai ser um campo de muita precisão da parte deles. Por isso o hip-hop coleta poucos prêmios na categoria "melhor música original". Com a recente indicação de "All The Stars", de Kendrick e SZA para melhor canção original pelo mega blockbuster da Marvel "Pantera Negra"; a comunidade rapeira está empolgada com a possibilidade de escorar seu quarto Oscar. Quais foram os outros 3? Vamos a isso agora:

O rapper americano Eminem - Divulgação - Divulgação
O rapper americano Eminem
Imagem: Divulgação

O ano era 2002 quando faturamos o primeiro Oscar. Quem abriu o caminho? Um cara de Detroit polêmico e habilidoso: Eminem com "Lose Yourself". Assim como o status de superstar do rap do qual ele gozou, é lógico que uma parte desse êxito do Eminem se dá a cor da sua pele, além da já mencionada extrema habilidade no microfone. Mas como tudo na vida, ser branco ajudou. Quando Eminem surgiu com olhos azuis e pele clara como uma folha de papel A4, ele ganhou muita atenção na mídia.

Era o hip-hop numa embalagem que não ameaçava os Estados Unidos. Ele passava mais horas na MTV do que qualquer rapper, apresentando programas, fazendo reportagens fantasiado e isso influenciou muito no seu sucesso comercial. Não significa que "Lose Yourself" não seja um arregaço lírico e realmente uma daquelas canções para a eternidade. Pois realmente foi e continua sendo uma das maiores canções que o rap trouxe pro mundo. Mas o fato do primeiro prêmio de melhor canção ter vindo pro rap através de um rapper branco sublinha mais uma vez o que no futuro viria através da hashtag "#OscarsSoWhite": as premiações tendem a ignorar artistas negros na hora das grandes condecorações; pois seus conselhos na maior parte das vezes são compostos por homens brancos velhos, desconectados da realidade.

Com o selo quebrado, o rap conquistou um segundo Oscar 3 anos depois, com "It's Hard out Here for a Pimp" do filme "Hustle & Flow". Dessa vez eram os monstrassos do Three 6 Mafia trazendo vocais de R&B classudos, aquele grave de desparafusar as janelas do Monza e um beat 808 enjoaaaaaaado de viciante. A melhor coisa é que tivemos uma performance ao vivo dos caras no Oscar, marcando essa como primeira apresentação de rap na premiação. Muita gente faz pouco caso das premiações, mas a real é que elas validam um artista ou um gênero pro mercado, impulsionando e melhorando as carreiras dos artistas que as faturam.

A real é essa: a gente faz pouco caso quando o artista que gostamos perde. Mas quando ganha, não tem como negar a importância. Gera novas possibilidades. Artistas ficam maiores, ganham mais controle sobre seus movimentos, criam selos e fazem novos artistas. Assim o hip-hop expande suas possibilidades. A performance do Three 6 Mafia naquela noite foi uma das coisas marcantes que precisam estar em qualquer documentário sobre os "grandes momentos da história do rap." Foi história sendo feita ali, ao vivo pro mundo todo e em HD. Classic shit.

O próximo - e último até então - Oscar do rap viria só 9 anos. Mas wow. Outra grande noite. Se você desconfia que um amigo seu seja um robô, exiba para ele a apresentação ao vivo dos mestres John Legend e Common no Oscar de 2014; quando a dupla faturou prêmio de melhor canção por "Glory", do magnífico "Selma". A essa altura do campeonato, o rap já havia sido mais assimilado por Hollywood. E se já não fosse, nessa noite viraria.

A plateia estrelar foi às lágrimas simplesmente pois era inevitável ser humano e não soltar o aguaceiro. Nem o botox conseguiu conter as lágrimas das estrelas O choro coletivo - mundial, pois esse era o estado das pessoas em cada lar que dava audiência a premiação - se justifica pela competência dos artistas, pela grandiosidade do filme "Selma", que contava uma história próxima de luta por igualdade racial e principalmente; como isso conversava com os protestos de 2014 em Ferguson, que começaram um dia após o covarde assassinato do adolescente negro Michael Brown nas mãos de um policial.

Era um momento com grande carga política e social. E ali estava o rap cumprindo uma das suas funções: emocionar com consciência. Uma canção que achava um ponto de conversa entre a violência policial contra a comunidade negra do passado com o presente era uma daquelas coisas que só poderia ser gerada pelo gênero que mais amamos e que nos motiva dia após dia: hip-hop. Até sempre.

As 3 canções aqui mencionadas são importantíssimas. Mas a performance ao vivo de "Glory" fica como meu momento favorito pois traz a sabedoria, luta e capacidade de união que o hip-hop nos ensinou para suportar os momentos duros. Assista aqui.

E o futuro? Bom, dia 24 de fevereiro tem Oscar. Kendrick e SZA já fizeram a parte deles nessa excelente colaboração. Agora é torcer para a academia ter um pouco de bom senso para termos mais uma noite a celebrar pelo hip-hop.

Paz!
Até semana que vem.
Ronald Rios