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"Desventuras em Série": O sucesso da franquia que não queria ser lida nem vista

Conde Olaf (Neil Patrick Harris) surge assustador em cena da última temporada de "Desventuras em Série", da Netflix Imagem: Reprodução/Entertainment Weekly

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

01/01/2019 04h00

A Netflix lança nesta terça-feira (1º) os sete episódios da terceira e última temporada de "Desventuras em Série", finalizando uma jornada de 20 anos de sucesso desde o lançamento do primeiro livro da saga, em 1999.

No último ano da adaptação televisiva da franquia criada por Daniel Handler, que assinou os livros sob o pseudônimo Lemony Snicket, os fãs descobrirão os grandes segredos que se escondiam por trás da vida aparentemente normal dos pais dos irmãos Baudelaire, que morreram em um incêndio no começo da série.

Desde o trágico evento que dá o pontapé inicial na excêntrica jornada da série, Violet (Malina Weisman), Klaus (Louis Hynes) e Sunny Baudelaire (Presley Smith) têm sido perseguidos pelo vilão Conde Olaf (Neil Patrick Harris), que está atrás de sua fortuna. Aos poucos, os órfãos começam a desenrolar a misteriosa história do envolvimento de seus pais em uma organização secreta batizada de C.S.C., da qual Olaf também fazia parte.

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Tanto nos livros quanto no cinema e na TV, "Desventuras em Série" sempre foi o "patinho feio" entre as sagas infantojuvenis. Seu clima gótico, humor negro e obstinado pessimismo a diferenciaram de "Harry Potter", "Jogos Vorazes" e outras franquias, mas seu sucesso em todas as plataformas provou que o público jovem tem apetite por propostas ousadas.

Psicologia reversa

Daniel Handler nunca quis escrever um livro para crianças e adolescentes. A ideia de "Desventuras em Série" nasceu como uma paródia do gênero gótico voltada para adultos, mas a editora Harper Collins insistiu para que ele tentasse modificar a premissa para se encaixar nas prateleiras infantojuvenis das livrarias.

O resultado foi "Mau Começo", um livro para jovens que manteve muitos dos elementos sombrios e satíricos que existiam na ideia original. Para construir a ponte entre os dois públicos, Handler teve a ideia de escrever na contracapa um apelo meio zombeteiro: nele, o autor (encarnando o narrador-personagem Lemony Snicket) implorava para que os leitores não abrissem o livro e não se deixassem levar pela história desafortunada dos órfãos Baudelaire.

"É meu triste dever por no papel essas histórias lamentáveis", escreve "Snicket" no verso de "Mau Começo". "Mas não há nada que o impeça de largar o livro imediatamente e sair para outra leitura sobre coisas alegres, se é isso que você prefere".

O tom sardônico se estende para a introdução do livro: "Se vocês se interessam por histórias com final feliz, é melhor ler algum outro livro. Vou avisando, porque este é um livro que não tem de jeito nenhum um final feliz, como também não tem de jeito nenhum um começo feliz, e em que os acontecimentos felizes no miolo da história são pouquíssimos".

Com estas palavras iniciais, Handler conseguiu encantar um público que era frequentemente subestimado por outros autores. Apostando que crianças e adolescentes entenderiam a ironia ou se veriam atraídos pelo livro puramente graças à psicologia reversa de se embrenhar em uma história que o próprio autor colocava como proibitiva, "Desventuras em Série" vendeu mais de 60 milhões de exemplares ao redor do mundo.

Hollywood tenta acertar

Imediatamente depois do lançamento da franquia e seu inesperado sucesso editorial, Hollywood tentou colocar as garras na história dos órfãos Baudelaire. O filme de "Desventuras em Série" ficou anos na gaveta, no entanto, porque executivos dos estúdios não estavam dispostos a investir o dinheiro necessário para recriar o mundo gótico da franquia.

Por anos, o diretor Barry Sonnenfeld ("Homens de Preto"), fã assumido da saga, tentou desenvolver o filme com Jim Carrey no papel de Conde Olaf. Na época, Handler ia escrever o roteiro pessoalmente, mas após várias disputas de orçamento o autor se afastou do projeto, levando Sonnenfeld junto com ele.

No fim das contas, "Desventuras em Série" saiu em 2004, com um orçamento de US$ 100 milhões dividido entre dois estúdios (DreamWorks e Paramount). Sonnenfeld foi substituído por Brad Silberling ("Cidade dos Anjos"), e as alterações de Robert Gordon ("Heróis Fora de Órbita") no roteiro originalmente entregue por Handler incluíram várias mudanças na cronologia original dos livros, misturando elementos dos três primeiros volumes da saga em um só filme.

Violet, Klaus e Sunny Baudelaire na versão para TV de "Desventuras em Série" Imagem: Reprodução/Entertainment Weekly

"O sindicato de roteiristas de Hollywood ofereceu para colocar meu nome como coescritor do filme, mas eu recusei. Eu não escrevi nada, no fim das contas. Não seria justo com o cara que realmente escreveu o filme", disse Handler na época. 

Por conta de tudo isso, a série da Netflix parece mesmo uma correção de curso, um mea culpa de Hollywood por não ter entendido de primeira o espírito da criação do autor. Na produção televisiva, também bancada pela Paramount, Handler serve como roteirista principal, e Sonnenfeld assina diversos episódios (além de atuar como produtor).

A "Desventuras em Série" da Netflix parece entender que os elementos mais sinistros da saga só funcionam se aliados ao humor referencial, quase pós-moderno, de Handler e seu Lemony Snicket. A teatralidade e a dimensão francamente patética do vilão Conde Olaf, encarnado por Neil Patrick Harris aqui, é tão importante quanto a ameaça violenta que ele representa, expressada brilhantemente por Carrey no filme.

O superpoder da Netflix, como criadora de conteúdo, sempre foi sua disposição de "atirar para todos os lados". Na plataforma, "Desventuras em Série" reencontrou com facilidade o público "de nicho" que abraçou os livros de Handler quando eles foram lançados e mostrou que, às vezes, a fidelidade é a chave para uma boa adaptação.

As duas versões do Conde Olaf: Jim Carrey viveu o vilão no filme, e Neil Patrick Harris na série Imagem: Divulgação/Montagem UOL

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