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Walter Afanasieff, o brasileiro que compôs o maior hit natalino da história

 Walter Afanasieff, que nasceu em São Paulo e se tornou um dos produtores mais bem-sucedidos dos anos 1990 - KINO.de/Reprodução
Walter Afanasieff, que nasceu em São Paulo e se tornou um dos produtores mais bem-sucedidos dos anos 1990 Imagem: KINO.de/Reprodução

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

24/12/2018 04h00

Nos dois meses que antecedem o fim do ano, o músico Walter Afanasieff fica pelo menos meio milhão de dólares mais rico sem precisar fazer nada além de curtir o Natal em família. E é assim há mais de duas décadas. Sua mina de ouro atende por "All I Want for Christmas Is You", hit que compôs e produziu com Mariah Carey —também conhecida como a canção natalina mais bem-sucedida de todos os tempos. Entre as não natalinas, ela também é uma das maiores.

Apesar do sobrenome difícil e de não ser um rosto conhecido por aqui, Walter, 60, tem uma relação especial com o Brasil. Ele nasceu em São Paulo, filho de uma família russa de arquitetos navais que fugiu do comunismo soviético, e viveu no país até 1962, quando tinha quatro anos de idade e já havia começado a se interessar pelas teclas do piano. Insatisfeito com a instabilidade econômica e a corrupção brasileiras, o clã então decidiu se mudar para ensolarada São Francisco, onde os negócios conseguiram prosperar.

Walter Afanasieff recebe o Grammy de produtor do ano em 2000 - Reuters - Reuters
Afanasieff recebe Grammy de produtor do ano em 2000
Imagem: Reuters

Nos Estados Unidos, agora com dupla cidadania, Walter tinha outra ideia: se tornar músico profissional. Ele tentou a sorte no jazz/fusion tocando teclado para o francês Jean-Luc Ponty, mas foi só depois de conhecer o multinstrumentista Narada Michael Walden que sua carreira decolou. Entre 1988 e 1998 ,Walter Afanasieff foi um dos responsáveis por lapidar Mariah Carey e a transformar na maior estrela do mundo, escrevendo e azeitando hits como "Hero", "Dreamlover" e "One Sweet Day", além de "All I Want for Christmas Is You".

Uma pequeno adendo aqui: este mês, 24 anos após o lançamento, a faixa chegou ao sexto lugar na Hot 100, a parada mais importante dos Estados Unidos, seu melhor desempenho até hoje. Segundo a revista "The Economist", a música acumulou até 2017 nada menos que US$ 60 milhões em royalties. Segundo Walter, 50% vão para Mariah e 50% para ele. Estima-se que a renda anual gerada para cada um deles gire em torno de US$ 790 mil (cerca de R$ 2,4 milhões).

O currículo de Walter Afanasieff sem Mariah é igualmente impressionante. Duas vezes vencedor do Grammy, ele é o produtor de "My Heart Will Go On", tema do filme "Titanic" na voz de Celine Dion. Por trás da mesa de som, já comandou gravações de gente como Michael Jackson, Whitney Houston, Barbra Streisand, Beyoncé, Michael Bolton, Lionel Richie, Aretha Franklin, Kenny G e Andrea Bocelli.

Walter rompeu relações com a ex-parceria Mariah há mais de 20 anos, desde que ela se divorciou do empresário Tommy Mottola, ex-presidente da gravadora Sony, para qual Walter trabalhava e se manteve fiel. Mesmo já tendo afirmado que a cantora nunca o reconheceu publicamente como coautor de suas músicas, ele diz não carregar ressentimento. Prefere focar no presente e futuro. Seu trabalho mais recente é o "Walls", álbum lançado em novembro por Barbra Streisand. E os planos incluem voltar pela primeira vez ao Brasil.

"É uma das coisas que quero fazer. Por que estou conectado com o país, nasci em São Paulo. Mesmo inconscientemente, eu cresci com o samba. A raiz da música brasileira está na minha alma e me ajudou a produzir música", diz ao UOL o produtor.

Walter Afanasieff (à direita) ao lado do ídolo Keith Emerson (1944-2016), do Emerson, Lake & Palmer - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Walter Afanasieff (à direita) ao lado do ídolo Keith Emerson (1944-2016), do Emerson, Lake & Palmer
Imagem: Reprodução/Twitter

UOL - Como seus pais foram parar no Brasil?

Ambos foram para SP. Meu pai teve que deixar a União Soviética depois da guerra. Eles ficaram um tempo na Europa, na Alemanha. Depois, meu avô, que era da Bielorrússia, decidiu que não voltaria para a União Soviética porque ele era muito anticomunista. Então ele pegou a família toda e decidiu ir ao Brasil. Minha mãe, que também era russa, teve família toda na China, em Harbin, por três gerações. Quando os comunistas tomaram conta, eles expulsaram os russos dali. E eles também foram para São Paulo, porque São Paulo na época aceitava muitos imigrantes, muitos japoneses, russos. Foi aí que eles se conheceram.

Como foi esse período para você no Brasil?

Tenho poucas lembranças, porque nasci em 1958, e em 1962, com quatro anos de idade, minha família decidiu se mudar para São Francisco. Meu tio, irmão da minha mãe, foi o primeiro a ir e a começou a trazer a família. Aos poucos fomos nos tornando cidadãos americanos. Infelizmente, eu esqueci como se fala português, porque tive rapidamente que aprender o inglês, que substituiu o português, já que em casa falávamos russo.

Aos três anos, no Brasil, eu sentava no piano e já percebia que era fácil criar música. Mas eu não queria aprender música. Meu professor de piano começou a me ensinar ainda no Brasil. Nos mudamos para São Francisco porque muitos russos de São Paulo estavam se mudando para lá. Infelizmente, no fim dos anos 50 e início dos anos 1960, havia corrupção no Brasil, não era um lugar perfeito para se viver.

Nos primeiros encontros, o que você pensava de Mariah Carey? Já dava para perceber que ela se tornaria um fenômeno?

Quando eu a conheci, confesso que não encontrei nela a grande artista que ela se tornaria pouco tempo depois. Só percebi quando eu comecei a compor e entender o coração musical dela, que havia ali uma alma musical. Foi aí que percebi que era algo excepcional, que não se encontrava no resto do mundo.

Eu a conheci quando ela estava trabalhando com meu chefe, o Narada Michael Walden, e o então futuro marido da Mariah, o Tommy Mottola. Ele encontrou em mim uma zona de conforto para ela. Ele achava que eu era o parceiro perfeito para compor e produzir. Nossa relação era muito nesse sentido. Foi ele que fez acontecer. Eu sou muito grato por ele ter me dado essa chance, e eu continuo sendo mesmo depois de perder contato com ela.

Que memórias você tem de compor "All I Want for Christmas Is You"?

Estávamos fazendo o disco "Merry Christmas" e decidimos compor algumas coisas juntos. Então fui à casa dela em Nova York, sentamos no piano e fizemos três músicas de Natal. "Miss You Most (At Christmas Time)", que é uma mais lenta, bonita e triste, e "Jesus Born on This Day", que é uma faixa religiosa mais clássica. E então começamos a compor a que seria a mais animada e divertida das três. Decidimos fazer no estilo rock and roll porque o resto do álbum tinha aquele som à moda "Phil Spector" [famoso produtor dos anos 1960]. Achávamos que se encaixaria.

Quando escrevemos a música, no verão de 1994 [inverno no Brasil], não imaginávamos nada do que acabou acontecendo. Nós falávamos: "Ah, que canção bonitinha". Era só mais uma parceria. A música era um rock and roll à moda antiga, e a Mariah Carey estava cantando músicas pop mais sofisticadas, que faziam um sucesso enorme. Comparada a outras, "All I Want for Christmas" é muito diferente, mas há algo nela que é charmoso, divertido e perfeito para a época de fim de ano. Por isso ela durou tanto.

Não queríamos fazer nada moderno, porque sabíamos que a música desapareceria em um mês. Seria popular por um tempo, mas não para sempre. Fizemos uma aposta e vencemos. Todo ano, durante dois meses, ganho uma pequena fortuna com "All I Want for Christmas Is You".
Walter Afanasieff


Walter Afansieff trabalha com Celine Dion em estúdio - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Walter Afansieff trabalha com Celine Dion em estúdio
Imagem: Reprodução/Twitter

É verdade a história de que nem Celine Dion nem o diretor James Cameron queriam gravar "My Heart Will Go On" para o "Titanic"?

Sim, mas existem algumas histórias diferentes sobre isso. Inicialmente, James Cameron queria que a trilha do filme tivesse música da época retratada, do início do século 20, mas ele sempre trabalhou com um parceiro compositor, o James Horner, que compôs aquela bela melodia que aparece em várias partes do filme. Ele gravou a música em uma demo, ao piano, para mostrá-la ao Cameron e à gravadora. Então, a diretora da gravadora da Celine Dion, a Epic, me ligou e disse: "Temos uma música e queremos passá-la para a Celine, com produção sua. Era para ser a música de encerramento do filme, mas não será mais."

Então eu produzi do jeito que senti que deveria ser. Usamos uma produção grande, com orquestra. Infelizmente, o Horner, que eu nunca conheci, não gostou e fez uma segunda versão da música. Por causa da política da coisa, já que ele era próximo ao James Cameron, ele o convenceu a colocar essa segunda versão no fim do filme. Mas tanto a Celine quanto a gravadora gostaram mesmo da minha primeira versão. E foi essa música que foi para o disco e o mundo inteiro ouviu. Sou muito grato por ter tido a chance de produzi-la. Ganhei um Grammy com ela.

Walter Afanasieff posa com o ator Jackie Chan e o saxofonista Kenny G - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Walter Afanasieff posa com o ator Jackie Chan e o saxofonista Kenny G
Imagem: Reprodução/Facebook

Você trabalhou com os maiores astros e estrelas da música. Como é lidar com o ego de tanta gente importante?

Acho que existe um equívoco nessa concepção. Todos os artistas são, de fato, diferentes. Eu acabei de produzir o novo álbum da Barbra Streisand. E é impossível ser uma estrela maior do que ela. Ela é cantora, compositora, atriz e tudo mais. E ao mesmo tempo ela é uma estrela e uma pessoa muito tímida, doce e aberta às minhas intervenções. Ela nunca colocou o ego no meio do caminho.

Às vezes isso acontece com artistas mais jovens, que lançam um hit não entendem nada de música. Eles simplesmente cantam o que dão para eles cantar. Ganham dinheiro e vão construindo um ego enorme. Parece que a nova geração, os millennials, lida com o sucesso como se fosse qualquer coisa. Eles com seus carrões, com seu dinheiro fácil, mansões. Luther Vandross, Whitney Houston, Mariah Carey, Celine Dion, Barbra Streisand, Michael Jackson. Todos eles sempre tiveram uma atitude adorável e profissional em estúdio. Sempre adorei trabalhar com todos eles. Nunca tive problemas com nenhum.

Walter Afanasieff em estúdio - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Walter Afanasieff em estúdio
Imagem: Reprodução/Facebook

Você trouxe o estilo "música de Natal" de volta ao sucesso, mas hoje diz que dificilmente o pop atual poderá produzir novos hits natalinos. O que há de errado com a música de hoje?

A música de hoje é muito genérica, muito fácil de compor, enlatada. Eu a comparo com hambúrgueres do McDonald's. Não requer habilidade ou talento. As pessoas fazem música hoje com tanta tecnologia que qualquer pessoa hoje pode comprar um computador, abri-lo e ter ali uma banda de garagem tocando. Basta baixar os softwares certos. A música não é mais baseada em talento, habilidade e tocar um instrumento. Tudo está baseado em loops, batidas e sons que no fim são todos iguais.

E a música hoje precisa ser simples, ter quatro acordes. Se você botar o quinto as pessoas já reclamam. Dias atrás, meu amigo Will.i.am [do The Black Eyed Peas] disse algo numa entrevista que faz muito sentido. Disse que qualquer um pode fazer música hoje em dia, por causa da tecnologia, e a música se tornou comida barata. Leva uma hora para colocar um beat em uma música e colocar uma letra sem sentido, que não rima. Quanto mais confuso e idiota, mais popular parece ser.