"Consumir música pop hoje é como consumir junk food", diz líder do New Order
A relação do New Order com o Brasil, que esta semana chega à sexta turnê, completou 30 anos em 2018, desde a histórica e tumultuada primeira passagem pelo país, em 1988. Mas há outro motivo, insólito e especialmente escatológico, para o vocalista Bernard Sumner se lembrar com carinho daquela data. Ele diz ter sofrido um forte surto de diarreia após desembarcar no país.
"Não estava muito bem, estava doente. Correndo para o banheiro o tempo todo (risos). Lembro também de uma festa em Ipanema, e a música 'Garota de Ipanema' estava tocando. Foi uma festa muito legal, com gente muito legal. Como eu tinha de ir ao banheiro, acabei encontrando pessoas no banheiro da festa fazendo coisas que não deviam", ri em entrevista ao UOL o líder do New Order.
Voz calma e britanicamente polida, entrecortada por períodos de silêncio reflexivo, Sumner é um dos responsáveis por transformar a música pop como a conhecemos no início do anos 1980, colocando para dançar na mesma pista fãs de rock e dance music. Para ele, eram tempos musicais mais felizes.
"Música boa para mim é música que toca a alma. Você pode tocar uma música feita há 60 anos, e ela vai continuar fazendo sentido. Esse é o sinal de que ela é boa. Muita música hoje é tão descartável quanto papel toalha", diz Sumner, que não se furta de falar de nada, nem de política.
Crítico do Brexit e da onda global de extrema-direita, ele só recorre ao radicalismo ao vislumbrar uma possível reunião com o ex-baixista do New Order e desafeto Peter Hook. Mesmo num futuro distante, para um show especial, "nada vai acontecer", ele frisa. "Estamos felizes que ele não esteja mais tocando com a gente."
UOL - O que o fã pode esperar de mais um show do New Order?
Bernard Sumner - Chegamos com um novo set e um novo visual no palco. Provavelmente vamos tocar mais canções do Joy Division. Temos mais músicas novas, que estão funcionando muito bem ao vivo. Estamos trazendo um set bem longo. Vai ser tão longo quanto uma partida de futebol. Estamos ansiosos. Sempre gostamos de tocar no Brasil.
Qual a melhor memória que você tem das turnês anteriores por aqui?
Na primeira vez que estivemos no Brasil, lembro que não estava muito bem. Estava doente. Correndo para o banheiro o tempo todo (risos). Lembro também de uma festa em Ipanema, no Rio, e a música "Garota de Ipanema" estava tocando. Foi uma festa muito legal, com gente muito legal. Eu tinha de ir ao banheiro, e acabei encontrando no banheiro da festa pessoas fazendo coisas que não deviam (risos).
Você vai se apresentar no Brasil um mês depois de uma das mais agitadas eleições presidenciais. É possível que haja manifestações contra ou a favor de Jair Bolsonaro, candidato eleito. Como lidaria com isso?
Minha visão política é de centro-esquerda, digamos assim. Acho que há algo acontecendo no mundo. Na Inglaterra, tivemos o Brexit e tudo mais, motivado por filosofias de extrema-direita. Tivemos a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o que é insano, e agora temos o Bolsonaro no Brasil. Eu consigo entender as pessoas externando suas frustrações nas atuais circunstâncias. Elas imaginam que os problemas nunca irão embora, já que políticos do passado não conseguiram resolvê-los. Então elas tendem a achar que algo novo poderia resolver a situação magicamente, já que tentaram todos os outros.
No fim, acho que tudo isso pode levar a um cenário muito destrutivo. É impossível acabar com os problemas do mundo na marra. Você vai criar mais problemas. Não sei como poderíamos resolver os problemas no Brasil ou no Reino Unido, mas acho que as pessoas precisam conversar mais umas com as outras, sem forçar políticas extremistas. As pessoas hoje estão entrando em choque. É como um vírus.
O que achou do Brexit?
Odiei. Acho que hoje, em tempos de terrorismo e extremismo, a Europa deveria se unir, não se dividir. Durante o período do Brexit, muitos políticos mentiram. Mesmo hoje, eles não sabem bem o que o Brexit significa para o país. Então como eles poderiam explicar para a população que aconteceu? Impossível. É uma questão complicada, porque as pessoas não a entendem, o que torna tudo mais difícil.
Você acha que New Order vai virar uma daquelas bandas "eternas", que nunca pensam em aposentadoria, como os Rolling Stones?
No momento, acho que não (risos). Não acho que vamos chegar a esse ponto. A banda está num lugar muito bom hoje. Estivemos muito produtivos nos últimos anos. Nos divertimos muito tocando ao vivo. Eu não vejo motivo para não continuar neste momento. São anos felizes para o New Order.
Recentemente, você e Peter Hook fizeram um acordo sobre o processo que ele movia contra o New Order, exigindo royalties. Como anda sua relação com ele?
Eu não posso falar nada sobre ele porque fizemos um acordo. Mas a banda está muito feliz, especialmente em não tocar mais com ele mais.
Consegue se ver um dia se reunindo com o Peter para tocar pelo menos umas músicas ao vivo, em um show especial?
Não vejo isso acontecendo.
Como você, um dos grandes compositores do pop dos anos 1980, enxerga a música hoje?
Para mim, consumir música pop hoje é como consumir "junk food". Existe muita "junk music" por aí, que vem sendo criada para atingir um público de garotas de 14 anos. Há muito lixo por aí. Música boa para mim é música que toca a alma. Você pode tocar uma música feita há 60 anos, e ela vai continuar fazendo sentido. Esse é o sinal de música boa. Muita música hoje é tão descartável quanto papel toalha. Não sei. Talvez estejamos só em um período de transição. Cabe aos jovens pegar essa música e levá-la para outro lugar, mais "emocional".
Você falou de futebol no início da entrevista. O que achou do quarto lugar da Inglaterra na Copa do Mundo?
Acho que eles foram OK. Foram melhor que em muitas outras Copas. Estavam na direção correta. Acho que esta foi uma Copa de mudança, porque muitas seleções grandes foram eliminadas cedo. Acho que, no geral, a Inglaterra foi bem, mas ainda há muito trabalho a ser feito com o time.
Quando eu era criança, costumávamos jogar futebol o tempo inteiro, mas hoje em dia as crianças não fazem mais isso. Estão em casa jogando Xbox ou PlayStation e não saem mais para praticar exercício físico, especialmente no inverno ou quando está frio. Talvez se os times da Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales se juntassem ao time inglês, teríamos uma seleção mais forte e as pessoas seriam mais interessadas em futebol.
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