As tretas e os bastidores que levaram ao fim da Cachorro Grande
O velho clichê de que ter uma banda é como estar em um casamento atacou novamente. Agora, é a Cachorro Grande quem anunciou seu adeus – ou, ao menos, um hiato sem data para acabar. O grupo de rock, um dos mais importantes da cena gaúcha, fará uma turnê de despedida em 2019, com 20 datas que prometem celebrar a carreira do grupo e deixar para trás os últimos anos de desgastes e tretas.
Em conversas com o UOL, o vocalista Beto Bruno e o baixista Rodolfo Krieger contaram que o clima da banda já não era bom há tempos. E que, apesar de difícil, a decisão acabou se mostrando a única opção, tanto pelo que acontecia dentro da banda, quanto pelo que cada um já planejava individualmente com suas carreiras.
O nível de tretas nunca chegou ao ponto de “sair na mão”, mas a camaradagem de uma banda de rock que amava a estrada e festejava seu sucesso foi minguando. Beto brinca com uma frase que sempre usou: “Se a gente abrir o show dos (Rolling) Stones, a banda pode acabar”.
Fato é que a Cachorro Grande abriu para seus ídolos, em Porto Alegre, em março de 2016. Em julho, lançaram o divisor de opiniões “Electromod”, e daí a coisa degringolou.
Electromod: nem todos gostaram
“Electromod” acabou sendo o último álbum da banda, mas, desde a gravação, o clima já não era o mesmo, a ponto de o resultado ter sido positivo para uns e negativo para outros.
Beto Bruno, voz à frente da Cachorro, explica que a decisão tomada da separação não foi fácil. Para ele, aquela abertura de show dos Rolling Stones foi o último fôlego que ele e os companheiros tomaram, mas que não foi suficiente para, dois anos e meio depois, manter o grupo unido.
“Cada dia que acordo penso numa coisa diferente. Mas não vejo a banda se juntar pra gravar um disco novamente. Desde a gravação do 'Electromod', há uns 2 anos e meio, acho que foi lá que começou a separação. A gravação foi muito conturbada, foi uma confusão, não estava todo mundo junto ao mesmo tempo, a gente brigou muito”, relatou o vocalista.
“Eu já saí com a impressão de que não queria mais gravar desse jeito, com essa banda e esse tipo de produção”, completa ele, sobre o álbum com muitas batidas eletrônicas.
Krieger, por outro lado, curte a pegada eletrônica, até porque é um fã de Prodigy e Chemical Brothers, por exemplo, mas diz que o disco realmente retrata um momento mais tenso.
O baixista relembra que o anterior, “Costa do Marfim”, foi gravado em um estúdio na Rua Augusta, pico boêmio de São Paulo, e que foi um processo um bocado maluco e festivo. “Estou de ressaca até hoje”, brinca Krieger. “A gravação desse disco foi uma coisa inexplicável, foi mágico e se refletiu no resultado dele. E eu gosto muito do ‘Electromod’, mas talvez ele reflita o clima no estúdio, ele é pesado e tenso, mas, do ponto de vista artístico, eu não vejo como ruim.”
Krieger lamenta ver a banda encerrando atividades. “É uma tristeza dupla, da minha parte. Estou na banda há 14 anos, mas antes eu era um moleque que ficava na frente do palco. Eu era fã. Mas é um sentimento de felicidade, também, de missão cumprida. Ficar 20 anos fazendo rock no país do samba não é tão fácil assim. Não sei se essa pausa é eterna, mas a gente precisava desse hiato pra tocar nossos projetos.”
Ao vivo “mandraque”
Como aquele casamento em que as coisas não vão bem, mas as partes ainda estão se esforçando para que haja um futuro, a Cachorro Grande se manteve do jeito que deu. 2018 era hora de lançar material novo. Beto Bruno deu seu jeito de conseguir isso, de uma forma meio torta.
“Eu não me empolguei mais, e é mais um motivo de ter lançado esse ao vivo. Inconscientemente, a ideia de fazer o disco ao vivo, que foi minha, foi para fugir de gravar", admite ele.
Apesar disso, Beto diz que não acredita em um climão em voltar à estrada com os companheiros. A Cachorro Grande havia demitido o guitarrista cofundador Marcelo Gross no começo de 2018, um “trauma” para a banda, como diz Beto, mas ele retorna para as datas finais.
“Eu e o Marcelo estávamos brigando, mas ele é o cara que montou a banda comigo. Estava insuportável a relação, mas foi muito chato quando ele saiu. Não tem nada mais chato que tirar alguém que tu ama da banda e da vida, foi muito desgastante”, lamenta o vocalista.
Outro ponto de distanciamento foi o baterista, Gabriel Azambuja, que passou a morar no Rio Grande do Sul, deixando complicada a rotina de ensaios, gravações e turnês. “Nós pegamos gosto com o guitarrista (Gustavo X) e a formação nova, mas o Gabriel não estava mais aqui com a gente. Só encontrava na estrada. Conversamos sobre ter outro baterista, mas não ia soar como a Cachorro Grande”, explica o vocalista.
Climão?
Uma turnê de despedida depois de tantos relatos ruins pode parecer um caça-níqueis, mas Beto e Rodolfo dizem que a ideia é fazer um último giro que faça jus ao legado deixado.
“Eu não me vejo mais parceria musical com eles, mas essa turnê está de bom tamanho. São 20 dias, 20 shows e é o máximo que faria no momento com eles”, diz Beto.
“Nós tivemos uma reunião, eu e Pedro (Pelotas, piano) e falamos: ‘já que vamos terminar, vamos terminar com classe'. Foram dois anos ruins, com muita briga, mas o que permeou a carreira foi muita festa, muita diversão, então combinamos de fazer em clima de festa, sem rancor. Não tem mais cobrança, aquele negócio de ‘toca direito, bebe menos, por que não foi passar o som?’. Eles são minha família, eu brigo com minha família, mas sempre nos encontramos no Natal. É uma maneira da gente terminar numa boa. A despedida do Gross foi horrível, agora temos a chance de nos despedir da melhor maneira possível”, acrescentou.
Rodolfo dá sua visão, de que todos mudaram com o passar dos anos. “Hoje não me divirto com as mesmas coisas que eu me divertia antes. Eu morava numa quitinete, na rua Augusta. Hoje moro na praia, faço ioga, não como carne... Não estamos num clima de funeral, só mudou a forma de vermos a vida e isso é normal.”
O futuro: disco solo e saída do país
Há diversos projetos envolvendo os integrantes que formaram a Cachorro Grande sendo programados para o futuro. Entre eles, Beto Bruno deve trabalhar com o guitarrista Gustavo X e o pianista Pedro Pelotas em sua carreira solo, e Rodolfo Krieger também está fazendo suas composições, com o detalhe de estar de mudança para Portugal – e um dos motivos é a eleição presidencial.
“Nem assumiu e já tá dando m...”, criticou Krieger, falando sobre o presidente eleito Jair Bolsonaro. “Quero buscar novos horizontes, vou sair por não concordar com o rumo que está rolando e por muitas outras coisas. Os Beatles diziam: “all you need is love” (tudo o que você precisa é amor). Não o acho legal, o fã-clube dele não é legal e conheço pessoas mal tratadas por um ódio que é gratuito.”
Krieger lançou recentemente um single com Arnaldo Baptista, “Louvado Seja Deus” e agora prepara um álbum para ser lançado em 2019, expandindo a ideia inicial de fazer um EP.
Já Beto prepara seu disco solo, com um pé no rock e outro na sua redescoberta pela MPB. “Eu estou em estúdio com uma banda nova. No meio do ano gravei duas músicas, e a intenção era lançar esse disco enquanto a banda estivesse excursionando. Agora é oficial, vou lançar meu disco solo logo que acabar a turnê, em julho.”
Beto Bruno explica o que se pode esperar do trabalho. “Eu tenho escutado muito música brasileira. Mais do que na infância. É uma lacuna que sentia falta, da nossa velha MPB, não consigo parar de ouvir a Milton Nascimento, Clube da Esquina, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Beto Guedes, a Rita Lee dos anos 1980... Vai ter rock sim, com certeza, não vou deixar de fazer, mas vai ter esse pé na música brasileira, que é algo que não consegui imprimir na Cachorro, mas que faz parte da minha vida. Não é pra se esperar uma continuação da Cachorro Grande”, avisou.
O Cachorro Grande ainda não divulgou as datas de sua turnê de despedida, mas elas acontecerão no primeiro semestre de 2019, com 20 datas selecionadas pelo país.
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