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A estreia de "Patriot Act" e a dificuldade da Netflix em acertar nos seus talk shows

Hasan Minhaj em episódio de "Patriot Act" - Reprodução/Youtube
Hasan Minhaj em episódio de "Patriot Act"
Imagem: Reprodução/Youtube

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

19/11/2018 04h00

"Patriot Act", que lançou o seu quinto episódio neste domingo (18), é a mais recente tentativa da Netflix de acertar no gênero do talk show, onde a plataforma tem encontrado dificuldades. O programa de Hasan Minhaj parece disposto a (e capaz de) quebrar esta maldição.

A Netflix não está acostumada a falhar. Desde 2013, quando começou a produzir originais com mais afinco, a plataforma foi bem-sucedida em quase todos os gêneros pelos quais se aventurou, de séries e filmes ficcionais a documentários e reality shows.

A maré de sucesso em que a plataforma de streaming tem surfado, no entanto, não se repetiu no filão dos talk shows. Não é difícil entender o motivo: talk shows são essencialmente efêmeros, lidando com os assuntos do dia e trazendo convidados que tem algo recente para promover. É um formato obviamente difícil de conciliar com uma plataforma que se orgulha de ter "inventado" a maratona e de manter o seu conteúdo arquivado para o usuário ver quando quiser.

Erros do passado

A primeira aventura da Netflix com os talk shows foi "Chelsea", lançado em 11 de maio de 2016. Assim como outras produções da Netflix, a série foi concebida com total liberdade criativa, mas nem mesmo a apresentadora Chelsea Handler sabia muito bem o que queria fazer.

O formato do programa mudava o tempo todo, uma inconsistência que não cai bem no mundo estruturado dos talk shows. O carisma de Handler carregava a maioria dos episódios, alguns mais divertidos ou informativos do que outros, mas "Chelsea" nunca se estabeleceu como um fenômeno de audiência. Após duas temporadas, o programa foi cancelado.

No decorrer de 2018, a Netflix redobrou as apostas no gênero para tentar encontrar um título que ressoasse com o público. O alto investimento produziu "The Joel McHale Show", "The Break" e "Norm McDonald Has a Show".

No primeiro, Joel McHale repetia o formato de humor barato às custas da cultura pop que se provou sucesso em "The Soup", que apresentou entre 2004 e 2015 no canal E!. O programa também tentou duas estratégias diferentes de lançamento: uma parte da temporada foi liberada aos poucos, um capítulo por semana; e outra seguiu o padrão Netflix de lançar todos os episódios de uma vez.

Já em "The Break", a plataforma de streaming apostou em Michelle Wolf, polêmica humorista do "The Daily Show". Wolf tentou estabelecer um modelo descontraído, com segmentos cômicos, monólogos com piadas políticas e eventuais convidados que participavam de uma variedade de jogos. Com uma temporada de dez episódios, o tempo ficou curto para se conectar com o público como ela queria.

Por fim, "Norm McDonald Has a Show" foi enterrado antes mesmo de estrear. O apresentador, ex-membro do elenco do "Saturday Night Live", deu entrevista polêmica durante a promoção do programa defendendo os colegas Louis C.K. (acusado de assédio sexual) e Roseanne Barr (demitida de sua própria sitcom por um tuíta racista).

Dos três programas, apenas o de McDonald não foi oficialmente cancelado, mas tampouco foram anunciados novos episódios.

Também em 2018, a Netflix lançou "My Next Guest Needs No Introduction", série especial em sete episódios na qual David Letterman entrevista personalidades escolhidas a dedo, como Barack Obama, George Clooney e Jay-Z.

Letterman, um ícone dos talk shows americanos, saiu da aposentadoria a fim de apresentar a série de entrevistas. Pelo porte e prestígio do projeto, era difícil imaginar "My Next Guest" repetindo o fracasso dos títulos anteriores da Netflix no gênero.

De fato, a série de Letterman parece ter agradado mais ao público e à crítica, mas ela é também um projeto inconstante, que vai ganhar novos episódios apenas quando (e se) os caprichos do apresentador permitirem.

Hasan, o salvador

A busca da Netflix por um talk show regular que se posicione como revelação cultural continua, e o "Patriot Act" de Hasan Minhaj está em posição perfeita para ocupar esta lacuna.

Os segmentos de Minhaj no "Daily Show" impressionavam pela forma como brincavam com a modernidade nas piadas, e conseguiam discutir o ponto de vista político único do comediante sem deixar de divertir. 

O novo programa aposta no carisma de Minhaj e na sua habilidade de abordar assuntos do momento. Embora se assemelhe em formato a títulos como "Last Week Tonight" (de John Oliver) e "Full Frontal" (de Samantha Bee), "Patriot Act" tem um sabor e um humor muito distintos.

Como o primeiro apresentador de talk show muçulmano dos EUA, Minhaj é capaz de falar e brincar com liberdade onde outros apresentadores pisam em ovos para não ofender. Seu estilo rápido, visual descolado e humor referencial funcionam porque são distintamente contemporâneos.

Depois de quase três anos tentando acertar na mão, parece que a Netflix encontrou o talk show que vai definir os seus esforços no gênero.