Topo

Quem é o poeta cearense que ganhou o Prêmio Jabuti com livro independente

Mailson Furtado Viana discursa no Jabuti ao ganhar o prêmio de Melhor Livro do Ano por "À Cidade" - Marcos Ribas/Brazil News
Mailson Furtado Viana discursa no Jabuti ao ganhar o prêmio de Melhor Livro do Ano por "À Cidade" Imagem: Marcos Ribas/Brazil News

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

09/11/2018 12h49

Autor de livro de poesias independente, sem recursos financeiros e vindo de uma cidade do interior do Ceará, o escritor Mailson Furtado Viana, de 27 anos, tinha tudo para passar despercebido no 60º Prêmio Jabuti, mas saiu de lá consagrado com a maior honraria da noite, o troféu de Livro do Ano.

Capa do livro "A Cidade" - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Mailson venceu com o livro "À Cidade", no qual o poema-título tem mais de 60 páginas relatando a vida nas cidades do interior do Ceará. Além do troféu, ele ganhou também um prêmio R$ 100 mil e desbancou concorrentes de peso, como Jô Soares, Artur Xexéo e Fernando Gabeira.

A vitória surpreendeu até o autor, que viajou para São Paulo de sua cidade natal Cariré, de quase 20 mil habitantes, no interior do Ceará, a 3 horas de Fortaleza. "Eu quase não vinha. Achei que não iria ganhar nada", disse o autor ao UOL.

Formado em odontologia e funcionário público da cidade vizinha de Reriutaba, Mailson é filho de um agricultor e de uma dona de casa. Muito fã do rock brasileiro dos anos 80, na adolescência ele queria ser músico. "Mas eu não sabia tocar nenhum instrumento, então fui compor letras. Daí, o caminho natural foi escrever poesias".

Leia mais

"À Cidade" ganha de Livro do Ano; veja os vencedores do Prêmio Jabuti 2018

Os livros surgiram das reuniões que ele fazia quase todos os dias com um grupo de amigos no qual discutiam sobre os mais variados temas. "Minha cidade é pequena e não tem muito o que fazer. Então, a gente se encontrava e nos retroalimentávamos, criando poesias, literatura, música", lembrou.

A trajetória vitoriosa de Mailson aponta um caminho que escritores talentosos do interior do país estão seguindo: a autopublicação. Esses autores têm que enfrentar o mercado cada vez mais restrito, com grandes livrarias sendo fechadas e editoras escolhendo a dedo os autores que vão publicar, geralmente dando prioridade para os mais populares e os que vendem mais.

"Este foi um livro feito à mão, totalmente independente. Até o desenho da capa é meu. É uma obra em que eu narro o meu lugar, uma cidade que nasceu há menos de 50 anos. E agora eu estou com esse Jabuti na mão", disse o autor no seu discurso de vitória.

Além da crise do mercado livreiro, Mailson conta que autores independentes enfrentam outras dificuldades. "Tem a questão financeira. Se você não tiver dinheiro, você não publica. Depois tem a burocracia e, para uma pessoa do interior, tem a dificuldade para conseguir a atenção de um grupo editorial", explicou. "Ouvi muitos 'nãos'. A própria região em que vivo tem um mercado editorial muito raso".

Alternativa para superar a crise literária

A maioria dos autores indicados ao Jabuti concorda que a autopublicação é uma das alternativas que os escritores têm para contornar a crise no mercado literário.

Gustavo Ravaglio, indicado em duas categorias pela história em quadrinhos "O Planta: Um Bípede entre Plantas", publicado também de maneira independente, contou que seus livros não são vendidos em livrarias. "Tento trabalhar pela internet, em feiras, eventos de literatura, no boca-a-boca", disse. "Para um autor independente, é essencial o encontro com o público".

Ravaglio cita o exemplo da Argentina, que possui sete vezes mais livrarias que o Brasil, a maioria pequenas. "Vivemos em um país que não lê e quem vai em livrarias só olha os livros e depois compra pela internet, que é mais barato. Lamento o fechamento das livrarias, mas acho previsível, dado o momento que estamos vivendo".

O escritor Franthiesco Ballerini, indicado pela obra "Poder Suave (Soft Power)", citou o projeto de lei que fixa por um ano o preço de capa de livros recém-lançados. "Acho que ajudaria as pequenas livrarias, que não conseguem concorrer com as megastores. Além disso, em uma livraria pequena, o dono faz uma curadoria própria, expondo os livros que mais lhe interessam, enquanto nas grandes livrarias, as estantes são sempre loteadas pelas grandes editoras, ficando tudo igual".

Ballerini elogiou ainda a vitória de Mailson. "Mostra que existe uma alternativa no mercado de livros. Autores independentes estão buscando seu próprio caminho sem depender das grandes editoras".

Dib Carneiro Neto, que ganhou o Jabuti na categoria Artes pela obra "Imaginai! O Teatro de Gabriel Villela", celebrou a vitória de Mailson. "Achei maravilhoso que o livro do ano tenha sido um projeto independente. É uma escolha sintomática do que vai acontecer nos próximo anos. Prevejo um 2019 complicado. Acho que as editoras vão pisar no freio e esperar para ver o caminho que o novo governo vai tomar".

Jô Soares, indicado na categoria Biografias pela obra "O Livro de Jô", lamentou o fechamento das grandes livrarias. "É sempre terrível, sobretudo porque a livraria é um local de encontro. Você não vai lá só para comprar. Você vai para se encontrar e encontrar alguém".