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Por que fazer "O Grinch", com Jim Carrey, foi uma enorme dor de cabeça?

Jim Carrey e Taylor Momsen em cena de "O Grinch" (2000), de Ron Howard - Divulgação/Universal
Jim Carrey e Taylor Momsen em cena de "O Grinch" (2000), de Ron Howard
Imagem: Divulgação/Universal

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

07/11/2018 04h00

Ícone dos contos natalinos desde os anos de 1950, Grinch, o mal-humorado monstro verde, volta para, mais uma vez, tentar estragar o Natal dos habitantes da Quemlândia. A nova versão de "O Grinch", dessa vez em animação, estreia na quinta-feira (8) nos cinemas.

O personagem foi criado pelo autor infantil Dr. Seuss em 1957, quando ele escreveu os versos e fez as ilustrações originais para o livro "Como o Grinch Roubou o Natal". Considerando o impacto cultural enorme da obra, é de se admirar que tantos anos tenham se passado até Hollywood colocar suas garras nela --e o responsável por isso é o próprio Seuss.

O autor, cujo nome verdadeiro era Theodor Seuss Geisel, se recusou a vender os direitos de suas histórias para o cinema, permitindo apenas adaptações em animação para a TV. Mas quando Dr. Seuss morreu em 1991, a viúva Audrey Geisel abriu o baú de tesouros do escritor para negócios com Hollywood.

Audrey não estava disposta a entregar os direitos de adaptação para qualquer um. E foi aí que começou a saga curiosa e cheia de dificuldades de "O Grinch", primeira versão com atores de verdade do clássico infantil. Lançado em 2000, o filme que se tornou habitué da TV aberta na época do Natal teve uma das produções mais atribuladas da história recente.

Guerra de estúdios

Em julho de 1998, os agentes de Audrey Geisel anunciaram que a viúva do autor estava disposta a vender os direitos de "O Grinch" por um preço bem salgado: além de US$ 5 milhões em espécie, Geisel exigia 4% dos lucros na bilheteria, 50% do dinheiro ganho em merchandising do filme e das músicas contidas nele, e 70% do lucro conseguido em livros relacionados ao filme.

A carta liberada pelos agentes não parava por aí. A viúva de Dr. Seuss exigia que qualquer ator escalado para interpretar o Grinch fosse "de estatura comparável" a quatro dos intérpretes preferidos dela: Jack Nicholson, Jim Carrey, Robin Williams e Dustin Hoffman. Por fim, Geisel não permitiria que um diretor iniciante tocasse no material: o cineasta escolhido pelos estúdios teria que ter ganho um salário de US$ 1 milhão em algum de seus filmes anteriores.

Hollywood aceitou o desafio de Geisel com gosto. A Fox, por exemplo, propôs uma adaptação com o próprio Jack Nicholson no papel-título, e contratou o diretor Tom Shadyac, na época conhecido por "Ace Ventura" e "O Professor Aloprado". Os Irmãos Farrelly (de "Quem Vai Ficar com Mary?") e John Hughes ("Curtindo a Vida Adoidado") também propuseram suas versões para viúva.

No fim das contas, a disputa foi decidida em setembro de 1998: o diretor Ron Howard, então conhecido por "Splash: Uma Sereia em Minha Vida" e "Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo", aceitou a proposta da Universal para dirigir o projeto. No papel principal, outro dos atores citados por Geisel na carta: Jim Carrey.

O pesadelo continua

Geisel não se distanciou da obra e seguiu envolvida na produção. Segundo reportagens da época, a viúva de Dr. Seuss tinha poder de veto sobre o roteiro, e baniu várias mudanças sugeridas pelos escritores Jeffrey Price e Peter S. Seaman (que fez "Uma Cilada Para Roger Rabbit"). Um exemplo bizarro: no script original, o Grinch tinha uma versão empalhada de outro personagem de Dr. Seuss, o Gatola da Cartola, em sua sala de estar.

Como resultado das muitas revisões de roteiro, as filmagens começaram só um ano depois da assinatura do contrato, em setembro de 1999. E as coisas só pioraram a partir daí. Rick Baker foi contratado para desenhar o visual do personagem-título, trabalho que lhe rendeu o sexto de seus sete Oscars de melhor maquiagem.

O problema é que a maquiagem de corpo inteiro criada por Baker, que usava até pelos legítimos de iaque (um animal bovino e peludo da região do Himalaia) pintados de verde, era dificílima de aplicar, e ainda mais penosa para manter durante todo o dia de filmagens. Quem sofreu com isso foi Carrey e os seus maquiadores, que tiveram que aguentar um astro explosivo durante os meses de produção.

"Era como ser enterrado vivo todos os dias", disse o ator em entrevista ao programa "Graham Norton Show", anos depois. "No primeiro dia de filmagens, eu voltei para o meu trailer e dei um soco na parede, fazendo um enorme rombo. Disse para Ron Howard que não ia conseguir terminar o filme".

"Então, eles trouxeram um especialista que treina agentes da CIA para aguentar torturas. Foi assim que eu consegui filmar o longa todo. Os Bee Gees também me ajudaram, as músicas deles me deixavam feliz e tranquilo. Não existiria 'O Grinch' sem os Bee Gees", brincou ainda Carrey.

E no que tudo isso deu?

"O Grinch" finalizou pós-produção com um orçamento estourado de US$ 123 milhões, e foi lançado em novembro de 2000, mais de dois anos e meio depois da publicação da carta da viúva de Dr. Seuss. O longa arrecadou US$ 346 milhões ao redor do mundo, se tornando o segundo filme de Natal mais visto da história, atrás de "Esqueceram de Mim". Mas é difícil calcular se a Universal lucrou muito nesta brincadeira, graças às estipulações de Geisel e aos gastos com publicidade.

Criticamente, o filme foi comparado negativamente com as animações já produzidas do personagem. Embora Carrey tenha sido elogiado pela maioria, inclusive com uma indicação ao Globo de Ouro pelo papel, o trabalho de Howard na adaptação não convenceu a todos. O mesmo destino foi reservado para outra adaptação de Seuss para o cinema live-action: "O Gato", lançado em 2003, com Mike Myers no papel-título.

No fim de toda essa epopeia para adaptar "O Grinch", a lição que Hollywood parece ter tirado é que Dr. Seuss funciona melhor no mundo da animação, o que sem dúvida é uma boa notícia para o novo filme do personagem mais famoso do escritor.