Cinco pérolas que fazem valer o ingresso para o documentário "Clementina"
O documentário “Clementina”, da diretora Ana Rieper, surge como uma excelente introdução à obra da cantora fluminense que participou da criação da Portela, transformou o samba como o conhecemos e atingiu sucesso apenas aos 65 anos, depois de anos trabalhando como empregada doméstica.
O filme, imperativo para o tempo em que vivemos, mergulha na errante história da artista, desde a lembrança da infância na comunidade de Valença (RJ) até a sua tardia consagração, explorando as multiconexões das culturas brasileira e africana, que tanto serviram de molde para a música popular.
Onde assistir? O documentário fez sua estreia mundial na Mostra Internacional de São Paulo e atualmente está em cartaz no Festival do Rio, com sessões nesta sexta (2), sábado (3) e domingo (4).
A trajetória de Clementina de Jesus, que nos anos 1960 chegou a ser uma das cantoras negras mais populares do Brasil, é recheada de causos, histórias e (muitas) pérolas. Veja abaixo cinco delas mostradas no documentário, que fazem vale o preço do ingresso.
Origem do samba
Um dos pontos mais interessantes do filme é explicitar a relação do samba com a ancestralidade e a cultura dos escravos. A produção vai a Valença, cidade natal de Clementina, para mostrar o quilombo São José, Patrimônio Cultural da Humanidade que preserva ricas tradições dos tempos do Brasil Colônia. O roteiro traça um paralelo entre a região do vale do rio Paraíba do Sul e a do rio Mississippi, no sul dos Estados Unidos. Por meio da oralidade, ambos serviram como berço do samba carioca e do blues americano.
Resgate do jongo
“Clementina” acerta ao relembrar a cultura do jongo (ou caxambu), ritmo que chegou ao país com escravos das regiões de Congo e Angola, que vieram para as fazendas de café do Vale do Paraíba. Além de música, o jongo também é um evento, uma dança de roda, das chamadas danças de umbigada, contando com forte elementos de percussão e a presença de poetas que se desafiam em meio à improvisação. Popular no início do século 20, o ritmo influenciou decisivamente o aparecimento do samba no Rio.
O que é partido alto
Se, em sua hilária entrevista a Jô Soares, o cantor Zeca Pagodinho não conseguiu explicar muito bem o que é partido alto e sua diferença em relação ao samba de roda e ao pagode, “Clementina” vai um pouco além, defendendo que a principal característica do subgênero, um dos mais tradicionais do samba, é o improviso. Segundo os sambistas entrevistados, os chamados partideiros, incluindo Clementina, cantam em bases preexistentes, muitas vezes também improvisadas, em quadras e sextilhas, geralmente de maneira casual e bem-humorada. O partido alto está no DNA de praticamente todo samba.
Feijoada à Clementina
Clementina teve uma vida difícil. Descoberta pelo poeta Hermínio Bello de Carvalho, ela manteve a vida humilde mesmo após o sucesso –seus avós por parte de mãe eram escravos--, assim como o gosto por cozinhar, o que para ela era profissão. Em uma das cenas, retirada da gravação do programa "Ensaio", ela ensina a receita da “feijoada à moda Clementina”. Tome nota.
"Um bom toucinho de fumeiro, uma bola linguiça especial de porco. Um bom lombo, Carne seca especial. Deixa de molho direitinho, para amanhã. Primeiro, bota o feijão no fogo. Primeira coisa que bota no feijão é o pezinho de porco, que já ficou de molho e foi bem raspadinho. Bota lá o pezinho de porco e a carne seca. As coisas mais duras. E a tripa. Bota uma rodela ou duas de cebola. Soca um dente de alho bem socadinho. Duas folhas de louro e deixa o menino cheirar por aí.”
Músicas
A música, evidentemente, é um dos destaques mais saborosos de “Clementina”. O filme traz uma coleção de trechos de músicas que permitem viajar pela não só pelo samba, mas pela origem da música brasileira: “Salve a Princesa Isabel”, “Cangoma Me Chamou”, “Orgulho, Hipocrisia”, “Eu Nasci em Angola”, “Maria Madalena da Portela”, “Duas Modas (Trancelin)”, “Taratá”, "Yaô", entre tantas outras, ensinam sobre o Brasil, sobre a África e sobre como os dois povos jamais perderam suas conexões rítmicas e harmônicas. Como define Bello de Carvalho, Clementina de Jesus é o elo perdido entre as culturas.
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