Anticapitalista, diretor de "Edukators" diz que Congo e Zimbábue são mais modernos que Brasil
O cineasta austríaco Hans Weingartner bate na tecla: o mundo não necessita de fronteiras e é muito, mas muito melhor do que os políticos que o governam. Talvez você não se lembre dele pelo nome, mas é possível que já tenha assistido ao seu filme mais famoso, "Edukators" (2004), sobre três jovens que invadem casas de pessoas muito ricas só para mudar os móveis de lugar em um protesto simbólico contra o capitalismo.
Para o diretor, que está no Brasil divulgando seu novo filme, o road movie "303", destaque na Mostra Internacional de São Paulo, esse discurso anticapitalismo e status quo do filme, continua atualíssimo. O problema é que, 14 anos e uma grave crise global depois, talvez não tenhamos aprendido a lição.
"Às vezes eu acho que único jeito de salvar o mundo é cuspir um pouco de sangue. Talvez nós precisemos de violência. Porque 'Edukators' é sobre a não-violência, mas essa abordagem não funcionou. Vamos encarar os fatos", diz ele, parte crítico, parte sarcástico.
Weingartner tem forte relação com o Brasil. Namora uma mineira e fala português fluente. Já tentou, inclusive, rodar um filme por aqui, mas o projeto não saiu do papel. "Ainda posso fazer um 'Edukators 2' no Brasil", brinca. "Os personagens sequestrariam latifundiários, empresários e políticos corruptos, e os soltariam na Amazônia", imagina.
UOL - Seu novo "303" é um roadie movie e também um filme de amor. Qual é o desafio de contar uma história de amor em 2018, sendo que a ideia de amor romântico mudou tanto nos últimos anos?
Hans Weingartner - Nunca ninguém me perguntou isso. Acho que o primeiro desafio é simplesmente fazer o filme, porque muitos filmes sobre amor não são sobre amor de verdade. São sobre conseguir alguma coisa, como um prêmio. O amor em 99% dos filmes acontece no primeiro olhar. Esses clichês do cinema, da literatura, estão muito presente nas nossas mentes, mas na vida real é totalmente diferente.
Se você se apaixona ao primeiro olhar, depois se casa, como nos filmes, você vai estar em apuros. O amor verdadeiro não diz respeito somente a momentos românticos, a grandes sentimentos. É mais sobre encontrar algo que seja bom para os dois. Se as pessoas encontrarem interesses em comum, se as pessoas estiverem na mesma frequência, o amor acontece.
"Edukators" virou um filme cult no Brasil, já foi montado no teatro e é seu trabalho mais lembrado por aqui. Como você teve a ideia para o roteiro?
Na minha juventude eu percebi que o capitalismo não é um sistema bom para as pessoas. Ele destrói almas e o planeta. Eu estava em busca de uma alternativa de mudar isso. Eu olhei para os anarquistas de Berlim, muitos jovens que estavam explorando casas e muitas dessas pessoas eram parecidas comigo.
Conheci alguns deles e imaginei que isso daria um bom filme. "Edukators", de certa forma, previu a queda do capitalismo. Ele é mais atual do que nunca. Os personagens entram na casa dos ricões para "educá-los", como diz no título do filme. Depois que foi lançado, muitos jovens fizeram ações parecidas pelo mundo. O que eles querem não é fazer terrorismo. Eles mudam apenas os móveis porque querem fazer as pessoas pensar a respeito.
O que poderíamos fazer para "salvar" o mundo?
Você pode matar todos os empresários, todos os CEOs de grandes companhias, como Bill Gates ou Jeff Bezos, que haverá substitutos. Isso não vai mudar o sistema. O ciclo vai começar novamente, e não te fará feliz. A ideia de apenas maximizar o lucro está condenada. Talvez um dia as pessoas vão perceber, agir e lutar pela causa certa. Claro que sei que o Brasil tem muitos outros problemas. O Brasil nem tem uma democracia funcional.
O quão diferente "Edukators" seria se fosse lançado hoje?
Seria totalmente diferente. Eu adaptaria para a situação atual. No Brasil, eu os faria sequestrar os latifundiários, os empresários e políticos corruptos. Acho que há umas mil pessoas no Brasil que atualmente estão destruindo o país, criando toda essa miséria. Eles sequestrariam essas mil pessoas e talvez as soltaria na Amazônia.
A verdade é que é difícil pensar assim, rápido, para a entrevista, mas às vezes eu acho que único jeito de salvar o mundo é cuspir um pouco de sangue. Talvez nós precisemos de violência, porque "Edukators" é sobre a não-violência, mas isso não funcionou. Vamos encarar os fatos.
Então a violência é a única solução para esse mundo? Como viver em um lugar assim?
É horrível. Em "303", estamos dizendo: "Ei, somos seres humanos. Vamos nos amar, nos abraçar". Queremos viver juntos em grupos. Odiamos magoar os outros, brigar com os outros. O capitalismo te leva a acreditar nisso, que tudo é competição. É mentira! É legal se divertir, jogar um futebol, mas, falando do princípio das nossas vidas, nós preferimos viver em harmonia e cooperar, se doar. Dar traz muito mais felicidade do que receber.
Então no filme estou viajando pela Europa, onde fronteiras não existem mais. Placas dizendo Portugal, Espanha, França, estão escondidas nos arbustos, enferrujadas, porque ninguém se importa mais com elas. Isso é lindo. Viajando por seis meses para filmar e não falamos com uma única pessoa vestindo uniforme. Sem polícia, sem controle. Liberdade total. O mundo inteiro deveria ser assim.
O que acha da política brasileira?
Acho que haverá guerra no Brasil, com Jair Bolsonaro no poder. Um levante popular. Espero que aconteça. O brasileiro é um povo muito legal, pacífico. Deveríamos todos ir a Brasília e matar todo o governo, todos lá. Vamos "educá-los". Isso é o que vocês deveriam fazer. Mas sei que vocês não vão fazer isso. São muito legais (risos).
Pelo que se vê nos noticiários, talvez não sejamos mais tão legais assim.
Cara, as pessoas são roubadas no Brasil. Vocês pagam juros absurdos para os bancos. Aqui, você compra um carro de merda por um dinheirão e paga juros de 80%. Na Alemanha, se alguém cobrar juros de 80%, vai para a cadeia. É ilegal. E aqui também há cinco bancos que fazem cartel. Telefones celulares na Europa são muito mais baratos que no Brasil. As empresas de telefone te roubam sistematicamente. Há muita corrupção no setor elétrico.
Na Alemanha, as empresas de energia são geridas pelo governo, porque eletricidade é uma necessidade básica. No Ceará, a energia é gerida pela Endesa, uma empresa espanhola. Os filhos da p* aumentam as tarifas cada vez mais e as pessoas na favela, em vez de comprarem livros para os filhos, precisam pagar a eletricidade. O dinheiro dos pobres do Ceará vai direto para a Espanha. Que merda é essa? É a República das Bananas mesmo. O Congo e o Zimbábue são mais modernos que o Brasil. Vocês precisam ir à luta armada.
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