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Protestos de Waters contra Bolsonaro ferem lei eleitoral? Especialistas divergem

Roger Waters se apresenta em São Paulo - Reinaldo Canato / UOL
Roger Waters se apresenta em São Paulo Imagem: Reinaldo Canato / UOL

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

26/10/2018 04h00

Os protestos de Roger Waters contra Jair Bolsonaro (PSL) em seus shows no Brasil, nos quais chegou a exibir a hashtag #EleNão e a classificar o presidenciável como "neofascista", vêm dividindo a opinião do público e levantando várias dúvidas sobre a legalidade das manifestações. Afinal, em tempos de eleição, elas podem ser feitas em eventos como esse? Elas são consideradas propagandas políticas? O que a legislação brasileira diz a respeito?

Especialistas em direito eleitoral consultados pelo UOL divergem na interpretação da lei. Enquanto alguns reafirmam o direito à liberdade de pensamento e expressão, assegurada em território nacional pela Constituição, outros preferem ressaltar o artigo 37 da lei eleitoral nº 9.504/97, que veda "veiculação de propaganda de qualquer natureza" em lugares de "uso comum", cuja utilização "dependa de cessão ou permissão do poder público", como é o caso dos estádios em que Waters se apresenta.

As mensagens contrárias à candidatura de Jair Bolsonaro, mostradas por Waters de forma explícita ou nas entrelinhas, viraram notícia e fizeram o músico ser simultaneamente vaiado e aplaudido em shows em São Paulo (dias 9 e 10 de outubro), Brasília (13), Salvador (17), Belo Horizonte (21) e Rio (24). O ex-Pink Floyd ainda se apresentará em Curitiba (27), na véspera do segundo turno, e em Porto Alegre (30).

No início da semana, as críticas ao posicionamento subiram de tom quando o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, acusou o artista de usar de R$ 90 milhões, valor que seria o cachê da turnê brasileira, para fazer "campanha eleitoral disfarçada de show ao longo do segundo turno". "Isso sim é caixa 2 e campanha ilegal", escreveu em sua conta pessoal no Twitter.

Roger Waters exibe protesto contra Jair Bolsonaro em show em São Paulo - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Roger Waters exibe protesto contra Bolsonaro em São Paulo; mensagem foi excluída em shows seguintes
Imagem: Reprodução/Twitter

Não pode

"O que acontece é que Roger Waters está fazendo campanha irregular no Brasil. O show é um bem comum, assim como são os clubes, os cinemas, os centros comerciais. E, em seus termos, a lei 9.504/97 quer evitar justamente isso, que você vá a um local para se divertir e acabe atingido por propaganda que não está esperando ou querendo receber", afirma ao UOL o advogado Arthur Rollo.

No entendimento dele, os protestos se encaixam no contexto de "propaganda negativa", em que ataques substituem discursos pró-candidatos, mas ela também pode ser considerada "positiva" por haver apenas dois candidatos em disputa. "Em um contexto de segundo turno, você estaria tentando tirar o voto de um deles, mesmo que isso resulte em voto nulo ou branco", complementa.

De acordo com o advogado Leonardo Freire, não há risco de as apresentações serem censuradas pela Justiça, mas Roger Waters, a produtora Time For Fun e Fernando Haddad (PT), por ser "beneficiário suposta propaganda irregular", estão sujeitos a investigação sobre a origem do dinheiro usado para financiar a produção dos shows.

"Assim como o PT entrou com investigação contra Bolsonaro por usar pessoa jurídica na campanha, na publicação de mensagens por WhatsApp, o partido pode ser alvo de processo porque quem promove o show também é uma pessoa jurídica que explora o lucro, e esse lucro estaria a serviço da campanha de Haddad, ainda que indiretamente", entende.

"Em que pese o direito de liberdade de expressão, os organizadores podem ser denunciados e, em um segundo momento, constatada a ligação com a campanha, arcar com multa eleitoral que começa em R$ 5.000 e pode chegar ao valor gasto na propaganda. Como é um show de produção grande, a multa seria por show em que ela for praticada."

Outro ponto de questionado é o fato de Roger Waters se apresentar em Curitiba na véspera da eleição, com encerramento do show previsto para depois da meia-noite de sábado para domingo. A legislação eleitoral proíbe "funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som, ressalvada a hipótese de comício de encerramento de campanha" fora do período compreendido entre 8h e 22h.

Após incluir Jair Bolsonaro em lista de políticos neofascistas, Waters exibe nome "censurado" - Reprodução - Reprodução
Após incluir Jair Bolsonaro em lista de políticos neofascistas, Waters exibe nome "censurado"
Imagem: Reprodução

Pode

Para o professor de direito Wagner Gundim, nenhum agravante deve pesar mais que o direito de liberdade de expressão, sob risco de abrir espaço para a censura. "O show poderia ser enquadrado se fosse propaganda, mas ele não é. Não está claro se existe ou não dentro das mensagens de Roger Waters um conteúdo de cunho eleitoral, com relação partidária. O protesto é uma manifestação pessoal, e a liberdade individual de expressão se sobrepõe."

Gundim argumenta que usar a hashtag #EleNão e classificar Bolsonaro de neofascista "não expressam preferência política", embora o segundo protesto possa ser enquadrado como crime contra a honra. "No âmbito do nosso processo eleitoral, principalmente quando se fala de alguém que não faz parte dele, como é o caso do Waters, é muito difícil caracterizar a propaganda eleitoral, muito menos como propaganda eleitoral irregular."

O advogado Luiz Henrique Hartinger concorda com Gundim e frisa que, ao contrário do que chegou a ser ventilado, Roger Waters não promoveu um "showmício", que atualmente é proibido em períodos eleitorais. "O showmício necessita da presença do candidato, mesmo sem cobrança de cachê. Alguém pode entrar com uma representação contra Roger Waters denunciando irregularidade eleitoral, mas esse não é o meu entendimento. A manifestação de pensamento é livre".

Críticos do artista costumam citar o fato de a produtora Time for Fun ser uma das maiores captadoras de patrocínio via Lei Rouanet, que incentiva projetos por meio de abatimento de impostos de empresas parceiras. Segundo o sistema do Ministério da Cultura, a empresa captou cerca de R$ 81,5 milhões nos últimos cinco anos. "Mesmo a empresa sendo captadora, isso não traz qualquer relação direta com Roger Waters e os protestos, que a meu ver são independentes, fruto da inquietação pessoal do artistas", diz Hartinger.

Procurados pelo UOL, Roger Waters e Time For Fun afirmaram que se pronunciarão sobre o assunto.