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Roger Waters a Caetano Veloso: "Pessoas boas também votaram em Adolf Hitler"

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

26/10/2018 17h24

Caetano Veloso e Roger Waters discutiram política, economia, história, meio-ambiente e rock and roll em uma longa entrevista de 37 minutos divulgada nesta sexta-feira (26) pela Mídia Ninja.

Na conversa, os músicos refletem sobre a atual situação do Brasil e do mundo, com a população cada vez mais dividida por causa das figuras que estão no poder. No papo, Waters diz ter lido os jornais locais e se informado sobre Jair Bolsonaro, candidato do PSL à presidência da República que vem sendo publicamente criticado nas apresentações do ex-Pink Floyd, em turnê pelo Brasil.

"Só de brincar com a ideia de ter alguém como Bolsonaro como presidente de seu país seria impensável se você tivesse qualquer sentimento social, político ou humanitário, ou educação de qualquer tipo. Porque só pelo o que o cara fala, ele se afunda com suas próprias palavras. Com esse papo de que o que nós precisamos é de mais armas, o que precisamos é entrar nas favelas para matar todo mundo e que vai ficar tudo bem, isso é uma completa falta de senso e só vai servir para atrasar esse grande país. Porque o Brasil é um país maravilhoso", disse Waters. 

O roqueiro britânico usa várias referências para validar seu discurso. Para ele, a culpa da atual situação do Brasil e do mundo vem das ideias neoliberais, agravadas pelo ego daqueles que estão no poder. "Mesmo com essa extrema diversidade cultural e de manifestações, o motivo das pessoas estarem nesse estado de desespero é por causa da economia neoliberal [...] Eles dizem com todas as letras: 'Me dê o poder e eu irei destruir tudo', e está escrito em tudo o que eles acreditam. Bolsonaro, e Trump, e os outros."

Recuperando a história da colonização nas Américas, ele ainda disse entender o sentimento de insatisfação e lamentou o desprezo pela liberdade individual. "Alguns dos grandes poderes, sendo os Estados Unidos o principal deles, não aceitam a ideia de que uma Lei Universal possa ser uma coisa boa. Isso tende a acontecer quando você é o cara com a arma."

Caetano Veloso entrevista Roger Waters - Divulgação - Divulgação
Caetano Veloso entrevista Roger Waters em seu apartamento no Rio de Janeiro
Imagem: Divulgação

Nazismo em pauta

A Alemanha de Hitler também não foi esquecida pelo britânico, que reforçou para que as pessoas não se esqueçam do ano de 1933, quando o ditador alemão assumiu o poder. "Para qualquer um que estudou autoritarismo, economia neoliberal e história, qualquer um que meio que leu um livro sobre qualquer uma dessas coisas, ou qualquer um que tem consciência do que aconteceu na República de Weimar na Alemanha em 1933, isso é brincar com fogo", disse ele sobre a tendência eleitoral no Brasil.

Caetano então falou de desilusão ao observar "pessoas boas" votando em Bolsonaro. "Muitas pessoas boas estão votando em Bolsonaro porque elas estão iludidas por ideias doidas", disse o baiano.

"O que eu posso dizer a essas pessoas boas é que elas precisam se lembrar de 1933, eu tenho certeza de que boas pessoas votaram em Adolf Hitler também. E foram eleições democráticas. E quando ele chegou ao poder, eles tiveram o Incêndio de Reichstag e, de repente, tudo mudou. Não havia mais leis, só uniformes marrons e vingança. É um caminho super perigoso ter todas essas pessoas boas pensando em votar em Bolsonaro", refletiu o entrevistado.

Vale lembrar que a produção artística de Roger Waters desde os tempos de Pink Floyd tem total relação com sua própria história. Seu pai, que foi do partido comunista inglês e depois se definia como pacifista, morreu em combate durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando Waters tinha apenas cinco meses de vida.

"Tudo o que Marx escreveu, na verdade, aconteceu na trajetória da minha vida", disse o inglês. "No país mais rico do mundo [Estados Unidos], as pessoas estão vivendo em barracos. É apavorante! Não têm condições de pagar planos de saúde, não podem pagar nada. Não têm vida e não me surpreende que estejam revoltadas. O triste de tudo isso é que eles não estão revoltados com as pessoas que estão fazendo isso, eles acabam de eleger uma delas. Trump é o cara que fodeu vocês, assim como o Bolsonaro".

Roger Waters, Caetano Veloso, Paula Lavigne - Divulgação - Divulgação
Roger Waters posa ao lado de Caetano Veloso, Paula Lavigne e a equipe da Mídia Ninja no Rio de Janeiro
Imagem: Divulgação

Música como voz

Conduzindo a entrevista, Caetano Veloso lembrou ainda que ambos são contemporâneos, viveram sua juventude na década de 1960, e agradece Roger Waters pela contribuição social com sua música. "Rock and roll era uma bobeira cultural até os britânicos chegarem. Eu me lembro muito bem. Quando ganhou respeito intelectual, trouxe um monte de temas que não estavam sendo ditos até então. E isso foi chamado de contracultura. E o rock and roll foi quem puxou esse movimento", agradeceu o brasileiro. 

Roger Waters já havia falado sobre as vais e a divisão do público em seus shows por causa da atual situação política do Brasil ao "Fantástico", da TV Globo, e ao jornal "Folha de S.Paulo". O encontro do ícone da MPB brasileira com o ex-Pink Floyd, no entanto, é de longe a mais longa entrevista divulgada, com poucos cortes de edição. "Nós poderíamos sentar e falar disso até o sol raiar. Eu só espero que o sol realmente venha. Isso seria ótimo", conclui o roqueiro no encerramento.

A conversa com Roger Waters foi gravada na última segunda-feira (22) no apartamento de Caetano Veloso no Rio de Janeiro, um dia antes de Roger Waters se apresentar na cidade. A turnê, que também já passou por São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Salvador, continua com um show em Curitiba neste sábado (27) e outro em Porto Alegre na terça-feira (30).