"Efeito Bolsonaro" faz festival em Pernambuco retirar peça gay com nu em cena
A obra "Puto" (traduzida como "Veado", em português), do ator argentino Ezequiel Barrios, de 36 anos, foi retirada do festival "Cena Cumplicidades" por precaução após o primeiro turno da eleição presidencial mostrar ampla vantagem de Jair Bolsonaro (PSL) e manifestações públicas de violência. A apresentação estava prevista para o final do mês na Universidade Federal de Pernambuco, no Recife.
Arnaldo Siqueira, da Associação de Artistas Integrados, que organiza o festival, diz em e-mail enviado ao autor que a obra foi retirada após a divulgação das pesquisas de intenção de votos "que apontam a vitória esmagadora da extrema-direita", seguida "por ataques a artistas e militantes (com agressões e a morte a punhaladas de um colega capoeirista)".
No total, três trabalhos "cujos artistas certamente estariam correndo perigo neste momento conflituoso de segundo turno das eleições" foram retirados do festival. "Eles estariam correndo risco de vida", diz o texto, explicando que 40 mil pessoas transitam diariamente pela universidade e que a segurança dos artistas não poderia ser garantida.
O e-mail afirma também que uma das candidaturas à presidência brasileira ameaça os princípios do Estado democrático de direito e "tem o agravante de portar a voz do desrespeito aos direitos humanos fundamentais reafirmados na nossa Constituição e despertar um ambiente de ódio e opressão a negros, indígenas, mulheres, LGBTQI+, minorias religiosas, fazendo apologia a tortura e uso de armas".
Em entrevista ao UOL, o autor e intérprete de "Puto" contou que sua obra é unipessoal, de dança e teatro, que aborda vivências e conflitos de uma pessoa que ainda não assumiu a homossexualidade, odeia a si mesma e não se aceita. "Fala sobre a discriminação em primeira pessoa. Conta a minha história e a de muitas outras pessoas sobre o momento prévio a sair do armário, quando alguém está lutando contra si mesmo", manifestou.
A obra, de acordo com o ator, tem uma linguagem explícita e inclui uma cena de nudez. "Há um monólogo no final do qual falo de todos os pesadelos do 'veado' no armário, tudo o que pensa quando vai assumir, que vão bater nele, que vai ser estuprado. Tudo isso eu digo em palavras", explicou.
Siqueira, por sua vez, explicou ao UOL que há "uma situação política instável e de desgoverno que infelizmente faz a gente tomar algumas medidas de segurança". "A gente não tem como garantir a segurança desses artistas com trabalhos contundentes, neste clima que se instalou no segundo turno das eleições. Principalmente artistas de fora, que podem estar sujeitos a algum tipo de situação", disse.
Ele ressaltou que a revisão da inclusão da obra foi uma medida de precaução. "Não é censura, não é medo", esclareceu, afirmando que foram mantidos outros trabalhos, com artistas locais, "mas é a cidade deles, é o contexto deles, a universidade deles, eles sabem os riscos que estão correndo". As outras obras que não estarão na programação são de artistas de Curitiba.
"A gente não quer colocar em risco pessoas de fora. Mas o festival está colocando sim na programação obras contestadoras, mas feitas por brasileiros, porque eles podem assumir o risco de estar se posicionando", disse o organizador. "A intolerância está em todos os lugares e nós tínhamos uma equipe limitada, reduzida, principalmente por conta dos cortes de apoios e verbas e não temos como garantir a segurança dessas pessoas, porque os nossos artistas, produtores, estão sendo pressionados, acossados e ameaçados. E é uma luta nossa e a gente vai encarar", disse.
Segundo Siqueira, há outros trabalhos como o do argentino no festival, o que propiciaria uma interação "bacana". No entanto, para ele, após o primeiro turno, a situação do país mudou. "Radicalizou-se um clima de intolerância, se radicalizou um clima de perseguição, infelizmente. E a gente não teve como definir na programação essas obras em função de a gente não conseguir se comprometer com a segurança", concluiu.
Segundo o argentino, sua obra dialoga com a violência pela discriminação vivida pelos homossexuais, mas não foi criada pensando na realidade brasileira. Ele já realizou apresentações em mais da metade das províncias argentinas e em países como México, Uruguai e Bolívia.
O ator diz que o fato de correr risco por fazer uma obra com este teor faz com que ele tenha ainda mais vontade de apresentá-la. "Respeito a decisão da universidade, porque entendo que estão cuidando de mim e também eles estão se expondo diante de um crescimento de violência, e que tomam esta decisão, e da maneira que estão me comunicando, entendo que realmente há um contexto de perigo, porque poderiam ter me dito claramente se fosse por uma questão de orçamento", diz.
Ele lamenta, no entanto, o contexto de violência. "Dá uma tristeza muito grande de pensar que no ativismo LGBT, em algumas coisas vamos avançando, mas há lugares em que não se está avançando, mas sim retrocedendo", expressa.
Veículos argentinos noticiaram a retirada da obra atribuindo a decisão a um "Efeito Bolsonaro". "A verdade é que essa notícia é lamentável e repudiável quanto ao que significa como mostra de intolerância", disse um conhecido apresentador do canal Todo Noticias, ao encerrar uma entrevista por telefone com Barrios na noite desta terça.
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