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De "Hereditário" a "Wanderlust": A hora e a vez de Toni Collette em 2018

Toni Collette em cena de "Hereditário" - Divulgação
Toni Collette em cena de "Hereditário" Imagem: Divulgação

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

17/10/2018 04h00

Toni Collette tem sido uma das atrizes definidoras de 2018. No cinema, apareceu no bem-sucedido terror "Hereditário", filme que colocou seu nome entre os mais falados para uma indicação ao Oscar. Na TV, está em "Wanderlust", série britânica que chegará ao Brasil pela Netflix na próxima sexta-feira (19), com primeira temporada de seis episódios.

"Hereditário", filme de estreia do diretor e roteirista Ari Aster, coloca Toni em um papel que é a extrapolação de seus melhores instintos como atriz. Ela é Annie, a artista plástica que, em luto após a morte de sua mãe, vê a família cair aos pedaços graças a uma herança sinistra que ela deixou para trás. Em um dos grandes momentos de cinema de 2018, Annie deixa sua raiva e seu desgosto transbordarem durante um jantar em família. As coisas que ela diz são assustadoras, especialmente porque são verdadeiras, e Toni encontra a linha fina entre caricatura e sinceridade para aplicar um soco no estômago do espectador.

Se sua performance em "Hereditário" é violenta sem disfarces, em "Wanderlust" ela mostra o quanto é boa em colocar um véu civilizado sobre essa mesma violência. Tudo que existe em Annie existe também em Joy, sua personagem na série criada por Nick Payne, especialmente um tipo de frustração familiar que se transforma em incômodo físico.

Em "Wanderlust", Joy é uma terapeuta recém-recuperada de um acidente grave de bicicleta, cuja vida sexual com o marido perdeu completamente o ímpeto e a paixão. Os dois ainda se amam, mas não necessariamente se desejam. A sugestão de Joy, então, é que eles experimentem um relacionamento aberto.

No roteiro dos seis episódios, Payne acostuma o espectador com um estilo de diálogo naturalista, que reconhece tudo o que deixamos de dizer uns aos outros. Toni prospera nesses silêncios simbólicos, nas emoções sublimadas e justificativas falsas de Joy. É uma performance paciente, que aflora no quinto episódio da série, todo passado em uma sessão da personagem com sua própria terapeuta (a ótima Sophie Okonedo).

"Wanderlust" tem muitas qualidades, incluindo a forma como foge de resoluções fáceis e clichês do retrato ficcional de relacionamentos abertos. O casal principal, que é completado por Steven Mackintosh como Alan, opera em um espaço de diálogo aberto e equilíbrio de poder --nenhum dos dois é vítima do outro. Impossível negar, no entanto, que a atração principal é Toni Collette.

Anos de coadjuvante

A atriz australiana fazia papéis pequenos em produções teatrais quando estrelou o pequeno filme "O Casamento de Muriel" (1994). Toni ganhou 18 kg para interpretar uma jovem que se sente excluída em seu círculo social e rouba dinheiro dos pais para fazer sua viagem dos seus sonhos. O longa de P.J. Hogan rendeu uma indicação ao Globo de Ouro para Collette, carimbando sua passagem para Hollywood.

Toni Collette - Reprodução - Reprodução
Toni Collette como Lynn Sear em "O Sexto Sentido"
Imagem: Reprodução

Mas foi só em 1999 que a atriz encontrou o papel que a definiu no cinemão americano: Lynn Sear, de "O Sexto Sentido", a desesperada mãe do menino (Haley Joel Osment) que "vê gente morta". Fenômeno de crítica e bilheteria, o filme mostrou que Toni tinha potência para desbravar gêneros diferentes da comédia, e lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.

Os anos seguintes provaram que ela só era aceita pelo mercado americano como coadjuvante, em filmes como "Shaft" (2000) e "As Horas" (2002). O cinema independente a abraçava com mais entusiasmo, em títulos elogiados como "Uma História Japonesa de Amor" (2003).

Nesse período, seu momento de destaque foi em "Pequena Miss Sunshine" (2006), que angariou indicações ao Oscar e arrecadou mais de dez vezes o seu orçamento nas bilheterias mundiais. Ali, Toni encarnou um dos tipos definidores de sua carreira: uma mulher frustrada que tenta controlar uma família disfuncional que confia nela para ter um módico de estabilidade. A atriz mostrou como era capaz de cavar fundo nas entranhas de cada personagem e trazer à superfície os seus desejos e conflitos fundamentais.

Agora vai?

Depois de tanto tempo nos holofotes (lá se vão 24 anos desde "O Casamento de Muriel"), a australiana de 45 anos parece estar, mais uma vez, em um momento decisivo de sua carreira. E não é que a exposição agora seja muito maior do que foi em 1999 (com "O Sexto Sentido") ou em 2006 (com "Pequena Miss Sunshine"), mas vivemos em outra era de Hollywood.

Em 2018, o mundo está mais preparado para as mulheres devastadoras e viscerais de Toni. O público está mais confortável celebrando seus retratos sentidos da frustração feminina, suas composições expressivas das angústias mais profundas e comuns delas. Hollywood está mais disposta a refletir essas mulheres nas telas.

A boa notícia, de qualquer forma, é que não precisaremos esperar muito para vê-la de novo. Em 2019, Toni tem dois projetos de expressão considerável a caminho: primeiro, no cinema, onde vai atuar ao lado de John Malkovich e Jake Gyllenhaal em "Velvet Buzzsaw", novo projeto do diretor e roteirista Dan Gilroy ("O Abutre") passado no mundo dos leilões de arte.

Já na TV, a atriz voltará à Netflix com "Unbelievable". Susannah Grant (indicada ao Oscar por "Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento") desenvolveu esta série de suspense inspirada em um caso real, ao lado de Michael Chabon ("Homem-Aranha 2") e Ayelet Waldman ("As Coisas Impossíveis do Amor").

Na trama, Toni é a detetive Edna Hendershot, que seguiu investigando a denúncia de estupro feita por uma jovem chamada Marie (Kaitlyn Dever, de "Last Man Standing") mesmo depois de todos os outros policiais do seu distrito terem concluído que ela estava mentindo. Recém-premiada com o Emmy por "Godless", Merritt Wever interpreta a policial parceira da personagem de Toni.

Se esses projetos renderão um maior reconhecimento para esta grande atriz, só esperando para ver. Não resta dúvidas, no entanto, que ela é uma das presenças mais marcantes das últimas décadas do cinema e da TV.