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Como "Making a Murderer", série da Netflix, criou uma sensação de TV documental

Cartaz da segunda temporada da série "Making a Murderer" - Reprodução
Cartaz da segunda temporada da série "Making a Murderer" Imagem: Reprodução

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

16/10/2018 04h00

A dominação da Netflix sobre certos setores da indústria cultural hoje em dia é melhor exemplificada pelos fenômenos pop que ela é capaz de criar através de suas produções originais --especialmente, séries. E um dos primeiros exemplos disso aconteceu em dezembro de 2015, quando "Making a Murderer" chegou ao serviço de streaming.

O projeto passional das cineastas Laura Ricciardi e Moira Demos, que passaram dez anos refinando e estruturando a produção, foi rejeitado pelas emissoras HBO e PBS antes de aportar na Netflix. Após um processo de realização tão longo, o sucesso foi surpreendentemente instantâneo.

Os dez episódios lançados no final de 2015 se tornaram uma sensação da noite para o dia, uma daquelas séries que dominam por semanas a fio as conversas em mesas de bar, de jantar ou do trabalho. E que deve voltar a dominar as discussões a partir de sexta-feira (19), quando a segunda temporada estreia na Netflix.

É verdade que "Making a Murderer" não foi o primeiro sucesso da TV documental. Em fevereiro de 2015, poucos meses antes do lançamento da Netflix, a HBO fascinou o público com "The Jinx", sobre um magnata do mercado imobiliário investigado por vários assassinatos. Em 2004, uma produção francesa sobre um crime americano, "The Staircase", viajou para os quatro cantos do mundo.

Vale demarcar também a diferença entre a série documental e o reality show. Embora as duas se encaixem na não-ficção, a série documental vai além do simples fato de acompanhar uma personalidade ou grupo de pessoas e filmar os momentos de maior destaque de sua vida. O documentário presume pesquisa, entrevistas com múltiplas pessoas envolvidas na história, e um interesse público ou humano maior do que o simples registro do dia a dia de alguém.

O que "Making a Murderer" fez pela TV documental, no entanto, foi tirá-la do limbo da apreciação acadêmica e transformá-la em marco de audiência. A história de Steven Avery ressoou com um público muito maior do que as apostas anteriores das emissoras americanas no gênero. A série é a saga de um homem que serviu 18 anos na prisão por um crime que não cometeu, foi inocentado por evidências de DNA e preso novamente dois anos depois, possivelmente por ser alvo de uma grande conspiração policial.

A comoção com o suplício de Avery e de seu sobrinho, Brendan Dassey, condenado como cúmplice do tio no assassinato da fotógrafa Teresa Halbach, rendeu até uma petição com 500 mil assinaturas pedindo para que o presidente dos Estados Unidos, na época Barack Obama, revertesse a sentença dos dois. A Casa Branca respondeu, em concordância com a lei americana, que não podia reverter uma condenação estadual.

As muitas dúvidas sobre o processo que colocou Avery e Dassey no aprisionamento, destacadas pelo documentário, levaram ainda a uma série de recursos legais por parte dos advogados dos dois. Tudo isso, é claro, será coberto por Ricciardi e Demos na segunda temporada de "Making a Murderer", que chega quase três anos depois da primeira.

Outras opções

Nesse intervalo necessário entre temporadas, a própria Netflix buscou suprir o recém-descoberto apetite do público por séries documentais, especialmente aquelas que esmiúçam casos criminais verdadeiros. Um dos melhores títulos dessa safra é "The Keepers", lançado em maio de 2017, que começa investigando o assassinato de uma freira em Portland, nos EUA, e acaba mergulhando em diversas denúncias de abuso sexual contra os padres que administravam a escola onde ela trabalhava.

A produção mais bem-sucedida do período, no entanto, foi outra. "Wild Wild Country" retrata o polêmico guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, mais conhecido como Osho, e sua comunidade de seguidores nos EUA. Mergulhando no que muitos definiriam como um culto e destrinchando os abusos e condutas no mínimo duvidosas que aconteciam por lá, a série acertou em cheio no fascínio que todo mundo sente pelo desconhecido e perigoso.

A boa notícia desse boom das séries documentais iniciado por "Making a Murderer" é que, depois de devorar os episódios da segunda temporada, não faltarão opções para se manter no pique. A Netflix também lançou outras produções de qualidade nos últimos anos, como "Evil Genius" (explorando um inacreditável assalto a banco) e "Wormwood" (do mestre do documentário Errol Morris, sobre um programa governamental de controle de mentes).

A plataforma de streaming ainda ressuscitou um dos sucessos da década passada. "The Staircase", a minissérie francesa de 2004, foi relançada na íntegra na plataforma, com a adição de três novos episódios mostrando a luta para inocentar o protagonista, um novelista chamado Michael Peterson que foi condenado por assassinar a própria mulher.

Assim como "Making a Murderer", a série mostra a luta de um homem contra o sistema judicial que, a produção argumenta, o maltratou. O coração humano, sempre conectado com os desfavorecidos, acha difícil não se envolver e torcer por eles.