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"Papillon": a falsa autobiografia que seduziu Hollywood ganha nova versão

Charlie Hunnam e Rami Malek em cena de "Papillon" - Reprodução
Charlie Hunnam e Rami Malek em cena de "Papillon" Imagem: Reprodução

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

04/10/2018 04h00

Elliot Alderson, protagonista de "Mr. Robot", se junta a Jax Teller, personagem principal de "Sons of Anarchy", para fugir de uma prisão de segurança máxima na Guiana Francesa. Essa é a premissa básica de "Papillon", que chega aos cinemas nesta quinta-feira (4) com os astros de ambas as badaladas séries, Rami Malek e Charlie Hunnam, à frente do elenco.

Não é a primeira vez que a emblemática história do detento conhecido pelo apelido de Papillon ("borboleta", em francês) é contada. O mundo conheceu "Papillon" em 1969, quando o escritor Henri Charrière lançou o livro que inspiraria duas adaptações hollywoodianas, incluindo esta mais recente.

Papillon - Reprodução - Reprodução
Henri Charrière, o verdadeiro Papillon
Imagem: Reprodução
Best-seller internacional, "Papillon" foi vendido pela editora como uma autobiografia. Charrière, que viveu sua juventude como um membro do submundo parisiense, foi preso em 1931 por um crime que sempre alegou não ter cometido: o assassinato de um cafetão. Enviado para a Guiana Francesa, que na época o país europeu usava como colônia penal, ele eventualmente escapou e reconstruiu sua vida na Venezuela.

Estes, de acordo com muitas pesquisas jornalísticas que aconteceram após a morte de Charrière em 1973, são os fatos. O restante das aventuras incríveis mostradas em "Papillon" são, muito provavelmente, uma mistura de pura ficção com reinterpretações de histórias contadas ao autor por outros homens que estiveram presos com ele.

Um dos casos mais curiosos entre essas contestações, aliás, é o do veterano de guerra francês Charles Brunier. Em 2005, quando tinha 104 anos de idade, Brunier revelou ao jornal "The Telegraph" que a história de "Papillon" na verdade era sua, e não de Charrière, que foi seu companheiro de cela na Guiana Francesa.

Brunier morreu em 2007, pouco depois de fazer sua revelação e ganhar fama repentina. Não era só a própria memória que o centenário oferecia como prova de sua alegação, no entanto: Brunier tinha, marcada no braço, uma tatuagem de borboleta. 

Em "Papillon", o personagem ganha o apelido por conta de uma marca semelhante no peito. Apesar das localizações diferentes, as tatuagens (a real e a ficcional) contavam uma mesma história: a de homens cujo espírito permaneceu livre enquanto seus corpos estavam encarcerados.

O primeiro "Papillon"

Com Steve McQueen, o ícone dos astros do cinema machão, na pele do personagem título, o primeiro "Papillon" foi fiel às desventuras, ficcionais ou não, narradas no livro. Em suas mais de 2h30, o longa mostra Papillon escapando da cadeia três vezes, passando anos a fio em regime de isolamento, comendo insetos, morando por um tempo em uma aldeia indígena hondurenha e arriscando sua vida em uma ousada tentativa final de fuga.

Charrière morreu jurando a veracidade do seu livro, mas sem vê-lo transportado para as telas. O diretor Franklin J. Schaffner ("Planeta dos Macacos") completou o filme poucos meses após da morte do autor.

O escritor não estava presente, portanto, para ver a sua história repetir o sucesso na transição das livrarias para as bilheterias - feito por US$ 12 milhões (com a inflação, algo em torno de US$ 70 milhões), arrecadou mais de US$ 53 milhões (ou US$ 300 milhões em números inflacionados) só nos EUA.

O êxito só não foi o mesmo entre a crítica. O filme de Schaffner, que ainda contava com Dustin Hoffman na pele do principal companheiro de Papillon atrás das grades, o ardiloso Louis Degas, foi rotulado como um "épico sem alma" pela maioria dos jornalistas. Os votantes das premiações devem ter sentido o mesmo, já que o filme só foi indicado a um Globo de Ouro (para McQueen) e a um Oscar (para a trilha sonora de Jerry Goldsmith).

O "Papillon" de 1973 merece uma revisão crítica, no entanto. Não só McQueen se entrega de corpo e alma para o papel (ao lado de um Hoffman um tanto caricato, é preciso admitir), como a bela fotografia de Fred Koenekamp cria imagens icônicas que retratam tanto o sofrimento humano quanto o seu espírito inquebrável.

O novo "Papillon"

A julgar pelo trailer, o novo "Papillon" não será exatamente uma revisão histórica da autobiografia de Henri Charrière, separando fato de ficção. Na verdade, muitos dos momentos mais comprovadamente fantasiosos do livro aparecem de relance na prévia do filme, dessa vez dirigido pelo dinamarquês Michael Noer, em sua estreia em Hollywood.

A única diferença notável, aliás, é que o novo "Papillon" parece mergulhar um pouco mais na história do personagem título (Charlie Hunnam) antes de ser preso. Vemos momentos românticos de Papillon com sua namorada, Nanette (Eve Hewson), antes de policiais invadirem seu apartamento em Paris e acusá-lo de assassinato.

Daí para frente, o longa parece ser uma versão mais suja e mais cheia de adrenalina do filme de 1973. Com 2h13 de duração, o novo "Papillon" parece aderir ao ritmo mais acelerado da Hollywood atual, preferindo atiçar o espectador com artifícios de espetáculo do que explorar o escopo épico de sua produção.

O trailer também se gaba, logo no começo, das raízes autobiográficas da história. O familiar slogan "baseado em uma história real" aparece na tela ainda no primeiro minuto, ignorando o longo histórico de contestações e refutações pela qual "Papillon" passou desde sua primeira publicação, quase 50 anos atrás.