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"Os Demônios", o filme de terror que fez a gente ficar com medo de freiras

Vanessa Redgrave em cena de "Os Demônios" - Reprodução
Vanessa Redgrave em cena de "Os Demônios"
Imagem: Reprodução

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

08/09/2018 04h00

A franquia "Invocação do Mal" ganhou um novo capítulo na quinta-feira (6) com a estreia de "A Freira" nos cinemas. O spin-off conta a história de origem de Valak, entidade demoníaca que toma a forma de uma freira monstruosa. Apresentada em "Invocação do Mal 2" (2016), a vilã conquistou a imaginação do público o bastante para ganhar o seu próprio filme, como aconteceu anteriormente com a boneca "Annabelle ".

Não é à toa que Valak fascina e assusta: a obsessão por freiras não é novidade no gênero de terror. Procure rapidamente pelo Google, e você vai achar uma variedade impressionante de preciosidades trash em que freiras são possuídas por demônios ou se revelam assassinas impiedosas.

Nenhum filme é mais simbólico dessa obsessão do que "Os Demônios", polêmica produção de 1971 do diretor britânico Ken Russell. Com a chegada de "A Freira", vale conhecer as fontes das quais o novo capítulo da saga "Invocação do Mal" beberá.

Irmã Jeanne

Em "Os Demônios", somos transportados para uma versão perturbadora da França do século 17. O poderoso cardeal Richelieu (Christophe Logue) quer dominar todo o país, mas o determinado padre Grandier (Oliver Reed) está no caminho, protegendo sua amada cidade fortificada de Loudon.

Grandier, no entanto, é vulnerável: indo contra os votos de castidade da igreja, ele se relaciona com várias mulheres e até se casa com uma. Para completar, a madre superiora de uma ordem de freiras local, irmã Jeanne (Vanessa Redgrave), é sexualmente obcecada por ele. Richelieu e seus insidiosos capangas armam então uma maneira de arruinar o padre Grandier, acusando-o de conjurar o demônio e fazê-lo possuir as freiras.

A sinopse pode parecer mais de um thriller político do que de um filme de terror, mas Russell conjura imagens perturbadoras para ilustrar seu latente desprezo pela igreja católica - não só pelas práticas da instituição na época que o filme retrata, mas pelo sistema de crenças do catolicismo em geral.

A personagem de Redgrave é corcunda, de forma que a grande atriz britânica anda com o pescoço permanentemente encurvado durante o filme. A postura causa efeito arrepiante quando sobreposta aos cenários simetricamente desenhados por Derek Jarman. 

O filme reimagina a cidadezinha francesa de Loudon, onde fatos semelhantes de fato aconteceram no século 17, como um palácio de azulejos brancos e estruturas geométricas, causando incômodo sutil no espectador que espera uma peça de época.

Conforme as provações se acumulam sobre Jeanne e as outras freiras, violentadas pelos agentes da Igreja que chegam para "exorcizá-las", Redgrave descende à loucura de forma espetacularmente crível. Sua performance nunca é uma caricatura, e diz muito sobre a forma como a igreja católica abusa de mulheres de forma mais consistente e livre do que de homens.

Sacrilégio

Embora o hábito de freira encurvado de Redgrave seja a imagem que o espectador de "Os Demônios" vai achar mais difícil de esquecer, outra cena é a mais polêmica do filme. Após várias sessões de "exorcismo", as irmãs do convento cedem à loucura, ao poder da sugestão e à vontade sexual reprimida, e as lentes de Russell registram uma orgia herética que inclui várias freiras nuas violando uma imagem crucificada de Jesus Cristo. Vendo tudo de longe, um dos padres exorcistas começa a se masturbar.

A mistura de imagens sacras e sexualidade, obviamente, não agradou a várias entidades de classificação indicativa ao redor do mundo. No seu Reino Unido natal, Russell teve que cortar diversas partes do filme para garantir o seu lançamento, ainda que com classificação para maiores de 18 anos de idade. Nos Estados Unidos, ainda mais cortes foram feitos - outros países simplesmente baniram o filme.

Até hoje, a versão mais conhecida de "Os Demônios" não conta com muitas das cenas mais chocantes filmadas por Russell. O material deletado em 1971 permaneceu perdido até 2002, quando o crítico Mark Kermode, um estudioso da obra do diretor, o encontrou. As cenas foram reincorporadas ao filme, que só foi mostrado em sua "versão completa" meia dúzia de vezes, durante festivais e outros eventos, normalmente com a presença de Russell, que morreu em 2011.

É improvável que "A Freira" herde as inclinações mais polêmicas de "Os Demônios". Bancado por um grande estúdio (a New Line) e distribuído por outro (a Warner), o filme recebeu classificação indicativa para maiores de 16 anos no Brasil. Independente da forma como aborda o catolicismo, no entanto, o filme dificilmente vai escapar da sombra do clássico de Ken Russell na forma como ele definiu a iconografia das freiras no cinema de terror.