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Willem Dafoe brilha em filme que contesta suicídio de Van Gogh

Willem Dafoe em "At Eternity"s Gate" - Divulgação
Willem Dafoe em "At Eternity's Gate" Imagem: Divulgação

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Veneza (Itália)

03/09/2018 16h10

Willem Dafoe saiu na frente. Na briga pelo prêmio de melhor ator no Festival de Veneza e, talvez, também no Oscar dessa mesma categoria. O ator americano apresentou na manhã desta segunda-feira (3) uma das performances mais intensas de sua carreira, na pele de Vincent Van Gogh (1853-1890), o famoso pintor holandês, no longa "At Eternity's Gate" (ainda sem título no Brasil), do americano Julian Schnabel.

Dafoe foi ovacionado ao aparecer para a conversa com os jornalistas. O longa mostra Van Gogh já em seus últimos anos, quando se mudou para Arles, no sul da França. Tinha problemas sérios de alteração de humor, bebia demais e não conseguia evitar crises emocionais. Às vezes, esses rompantes depressivos o faziam agir de maneira extrema, violenta; foi o que o fez cortar a própria orelha, por exemplo.

Mas havia em Van Gogh, também, uma gigantesca vontade de seguir vivo e produtivo. O artista mostrado pelo filme é, sobretudo, um homem apaixonado pela beleza, pela arte, pela natureza. Apesar dos momentos de crise, seria incapaz de se matar.

Essa, aliás, é a tese do filme de Schnabel: aposta na tese de que o artista foi assassinado. Inspirado em estudos mais recentes sobre os dias finais sobre Van Gogh, o roteiro diz que ele teria sido morto de maneira relativamente acidental, por dois adolescentes que estavam "brincando" de cowboys. Ou algo parecido (o filme não deixa muito claras as circunstâncias, mas é categórico em rechaçar que ele tenha se matado).

"Não me importa o que aconteceu de fato: é um filme. É irrelevante, mas meu longa traz essa nova possibilidade", disse Schnabel, à imprensa. O premiado Jean-Claude Carrière, roteirista que já trabalhou com mestres como Luís Buñuel e Milos Forman, assina o roteiro com Schnabel. "Não há testemunha do suicídio, nenhuma", diz Carrière. "Ele voltou para casa machucado no estômago, mas ninguém jamais achou a arma que fez o disparo. Não há prova de que ele se matou: nós lutamos contra essa versão um tanto 'romântica' sobre Van Gogh", explica o roteirista.

Van Gogh já rendeu filmes famosos, na câmera de cineastas como Maurice Pialat, Robert Altman e Akira Kurosawa. Mas o filme mais famoso sobre sua vida talvez ainda seja "Sede de Viver" (1956), de Vincente Minnelli e George Cukor, com Kirk Douglas na pele do pintor. Mas se aquele filme se preocupava muito com o homem Van Gogh e com sua história, "At Eternity's Gate" busca outro foco.

O longa não pretende investigar o que tornava Van Gogh uma pessoa de comportamento tão extremo, nem explicar sua melancolia ou mesmo as causas de sua provável loucura. Interessa-se por ele enquanto artista. O filme não fala tanto sobre fatos da vida de Van Gogh, mas vai fundo em sua criação, sua visão da arte e sobre suas pinturas; para os fãs, é uma excelente chance de compreender melhor sua criação. 

Schnabel, que também é artista plástico, dedica parte expressiva do longa com discussões sobre arte, mas elas nunca são monótonas ou inacessíveis. E Van Gogh se mostra um homem completamente lúcido, ao contrário da ideia de muitos de que ele seria apenas um atormentado, o tempo todo.

"Ele era inspirador e lúcido sobre o que falava. Me liguei muito a isso. A dificuldade começa quando ele tem visões e não consegue lidar com coisas mais prosaicas, como pensar em uma carreira, na vida social, no sexo", diz Dafoe. "A coisa mais importante, que mais me inspirou, era que ele era uma pessoa que pensava além do raciocínio dualista."

"Acredito totalmente na lucidez dele", diz o diretor. "Se você observa as pinturas e lê as cartas que ele escreveu ao irmão [Theo], verá isso. Muitas coisas que ele diz no filme vêm diretamente dessas cartas; ele sabia onde estava e sua relação com a eternidade".

Van Gogh morreu desconhecido, antes de se tornar respeitado, e o filme mostra que o pintor sabia bem que, sua obra, era avançada demais para o seu tempo. No filme, o religioso artista se compara a Jesus Cristo, que também foi incompreendido durante a vida.

"Ele pensava q a Bíblia era o melhor livro já feito. Cresceu religioso, falava muito sobre Jesus, mas não acho que ele se identificava com ele", diz Dafoe. "Pois eu acredito que ele se identificava, sim, com Cristo", discorda Schnabel. "Mas é aquilo: ninguém estava lá para saber. Toda história é, na verdade, uma mentira." 

O filme é visualmente muito rico, criativo, e tem lindas imagens da paisagem do sul da França. Mas o destaque é mesmo Dafoe e sua entrega visceral ao personagem. "Nunca pensei em outra pessoa [para o papel]. Dafoe tem a vida interna e a morte, é um ator físico, com capacidade de superar situações impossíveis", explicou Schnabel.

"Eu sabia que teria que pintar no filme", diz Dafoe, que aparece ele mesmo em ação, com pincel nas mãos. Pintar foi seu maior desafio para o papel. "Foi importante em termos logísticos de filmagem. Mas, por fim, se tornou a chave para eu sentir melhor como fazer o personagem."

Errata: este conteúdo foi atualizado
O filme "Sede de Viver", de 1956, foi dirigido por Vincente Minnelli e George Cukor.