Como uma música sobre balões levou Nena ao estrelato e "previu" queda do Muro de Berlim
Quando Gabriele Susanne Kerner, a Nena, vocalista da banda alemã que carregava seu apelido como nome, entregou à gravadora a canção "99 Luftballons", deve ter ocorrido algum mal-entendido. Daqueles que já barraram ou poderiam ter barrado tantos hits históricos. O executivo da vez simplesmente não via potencial na composição que, de uma forma ou de outra, definiu a carreira da cantora.
Em entrevista ao UOL, Nena, que então tinha 22 anos, lembra como, para o especialista, a música dos balões "não daria certo, não havia refrão etc". No fim, os 99 balões foram lançados ao alto em 1983 e alcançaram o topo das paradas mundo afora, da Austrália ao México. Mesmo cantada em alemão. Nos Estados Unidos, chegou ao segundo lugar da Billboard, somente atrás de "Jump", do Van Halen. O sucesso forçou Nena, inclusive, a compor versão em inglês, até hoje preterida pela cantora em seus shows.
A composição fala sobre como esses 99 balões, confundidos com OVNIs, causariam, vejam só, outro mal-entendido. Esses objetos gerariam uma guerra que duraria 99 anos e terminaria com devastação total, sem vencedores. O pequeno conto reflete o clima de desconfiança da Guerra Fria em uma Alemanha dividida. Não deixa de ser curioso que, seis anos mais tarde, um quiproquó diplomático também levaria à queda do muro de Berlim.
Em 9 de novembro de 1989, Günther Schabowski, porta-voz do Partido Comunista da Alemanha Oriental, anunciou que o governo decidira facilitar as viagens ao Ocidente. Questionado sobre quando as regras entrariam em vigor, sem saber exatamente o que responder, Schabowski disse algo na linha de: "Pelo que sei, imediatamente". Pois imediatamente a notícia correu pelas ruas das duas Alemanhas. Milhares de pessoas se dirigiram aos pontos de travessia. As autoridades locais se viram forçadas a abrir as fronteiras. Nena estava em Zurique, Suíça, quando o muro caiu. Havia acabado de gravar uma música chamada "Wunder Geschehn" ("milagres acontecem"). Nada mais apropriado.
Hoje, 35 anos depois, a cantora alemã, admiradora do conjunto brasileiro Barbatuques, ainda abraça "99 Luftballons" com afeto. Não é daquelas que renuncia ao seu maior hit. De 1983 para cá, Nena fez muitas turnês, se tornou mãe de cinco e avó de quatro netos. Mas não sente o peso do tempo. "Não quero me despedir da minha 'meninice"'. Criança, menina, jovem, mãe, avó: eu combino tudo isso", diz, sempre pronta para lançar mais balões de paz. "Decidi que não me juntaria ao coro de pessoas que reclamam que tem pouco tempo, ou que o tempo passa muito rápido."
99 Luftballons se tornou mundialmente famosa, e agora o hit completou 35 anos. Quem era a Nena de 20 anos, e quem é Nena agora, mãe, avó, e ainda cantando?
Eu nem imagino essa diferença. Não quero me despedir da minha "meninice". Criança, menina, jovem, meu tempo agora como mulher adulta, com cinco crianças e, como avó, com, em breve, quatro netos, eu combino tudo isso em mim.
Você esperava tamanho sucesso para essa música? Como é para você vê-la tocando em países como Japão, ou mesmo, o Brasil?
Quando me perguntam sobre a "Luftballons", eu sempre sorrio e me lembro de uma história engraçada: Nós, a banda Nena, queríamos lançar a música como um terceiro single, mas a gravadora tentou de tudo para nos fazer desistir. Argumento: a música não tem refrão e não é comercial o suficiente. Então, a música virou um hit mundial. Foi divertido e louco! E eu também me lembro de quando eu comecei a ouvir discos, aos 12 anos, e como isso me abriu um mundo completamente novo – e de repente eu tinha uma canção minha que me carregava pelo mundo. Isso era indescritível. Eu amo esta música, ela virou uma espécie de amiga para mim. Não haverá show da Nena sem 99 Luftballons nessa vida.
Ainda falando sobre essa música: considerando que é uma espécie de canção anti-guerra, lançada nos anos de Guerra Fria, como você analisa a diferença entre o aquele mundo e o mundo de hoje? Há muita diferença, ou não, considerando o contexto político e social atual?
A música ficou famosa como uma canção de paz, e acho que é assim até hoje. A letra carrega uma mensagem de paz à sua maneira e fala sobre como mal entendidos e pequenas coisas podem trazer grandes consequências.
Ano que vem, a queda do muro de Berlim completa 30 anos. Onde você estava nessa ocasião, e como foi fazer parte do legendário show em 12 de novembro de 1989?
Quando o muro caiu, eu estava em Zurique, e havia acabado de gravar uma música chamada "Wunder Geschehn". Então fui diretamente a Berlim para ver esse milagre com meus próprios olhos. "Wunder geschehn, ich hab`s gesehn." (milagres acontecem, eu vi com meus próprios olhos)
Você cresceu ouvindo David Bowie, entre outros ícones da música. Você teve algum contato com ele, durante os tempos produtivos em que ele viveu em Berlim? E por que você decidiu viver na cidade em um momento em que a cidade dividida não parecia tão atraente?
Berlim era, para mim, um grande e vasto mundo. E o fato de que um David Bowie, ou um Iggy Pop também viveram em Berlim.... maior e mais vasto mundo seria impossível. Nessa época eu estava estudando ourivesaria, em Hagen, a cidade onde cresci. Um dia, a mulher do joalheiro parou atrás de mim e chamou minha atenção: "senhorita Kerner, dê passos menores, como isso pode pertencer a uma dama?" Nesse momento, eu soube que era hora de "dar no pé". Então, em uma manhã, eu simplesmente peguei meu velho carro bege, com minhas guitarras, meus discos dos Stones, Blondie e Ramones, e algumas das minhas roupas favoritas no banco de trás, e fui para lá. Berlim Ocidental me recebeu de braços abertos Me banhei nas luzes de neon, flutuando naquele céu de azul infinito. E, sim, é estranho como se pode se sentir tão conectado a tudo, mesmo em um lugar desligado de tudo. Berlim Ocidental era uma vila, mas o estilo de vida estava conectado a tudo.
"Você tem algum tempo para mim?" é uma pergunta para a qual a resposta parece ser cada vez mais "não". Em um mundo em que a tecnologia e a internet revolucionaram a maneira como nós nos comunicamos e consumimos notícias, culturas, objetos, e assim por diante, como você vê essa sensação de falta de tempo que parece nos contaminar? O tempo realmente está ficando curto para as coisas importantes?
Eu algum momento, eu decidi que não me juntaria ao coro de pessoas que reclamam que tem pouco tempo, ou que o tempo passa muito rápido. E desde então, tenho estado mais consciente do quanto de vida cabe em um único dia.
Seu último disco se chama "Old School". É como você se sente hoje?
Eu estou há quarenta anos no palco. Por um lado, isso me faz sentir bastante "oldschool". Por outro lado, poderia ter sido ontem. Não existe amanhã sem o ontem. Antes, eu não gostava de falar sobre o passado, nem mesmo sobre os anos 80. Hoje, meu passado é sempre bem-vindo. "Oldschool" é um sentimento holístico. Para mim isso significa se orgulhar da experiência que você tem na sua bagagem.
Que tipo de música você ouve atualmente, e quais cantores ou bandas você admira? Você conhece algo de música brasileira?
Nesse quesito, sou bastante "Oldschool". Nunca deixei de ouvir meus discos antigos. Agora, seja Blondie, Stones, Bob Dylan, David Bowie ou Neil Young – para mim são todas músicas atemporais. E, sim, eu adoro a banda brasileira Barbatuques. Eles me inspiraram muito, inclusive para um arranjo de músicas da minha turnê.
Você já falou, em outras ocasiões, sobre o processo de se descobrir escrevendo músicas em alemão. Como você decidiu assumir sua língua mãe em seu trabalho, e quais suas inspirações para escrever hoje?
A maioria das minhas músicas canto em alemão. Inclusive „99 Luftballons". A versão em inglês eu já não achava boa nos anos 80, e também não a cantei com frequência. Mas isso tem mais relação com a tradução do que com a língua. A propósito, meu lançamento atual é em inglês. Dave Stewart e eu nos encontramos na casa dele em Los Angeles há alguns meses e escrevemos a canção "Be My Rebel". Eu realmente gostei de trabalhar com Dave. Eu amo a música e vou tocá-la pela primeira vez ao vivo na minha próxima turnê.
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