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"Ferrugem" mostra como vazamento de vídeo íntimo devasta vida de adolescentes

Carlos Helí de Almeida

Colaboração para o UOL, em Gramado (RS)

22/08/2018 17h42

Fenômeno de nosso tempo, o bullying virtual é o tema do filme “Ferrugem”, exibido na noite desta terça-feira (21) na competição brasileira do 46º Festival de Gramado. O novo longa do diretor baiano (radicado no Paraná) Aly Muritiba, que mostra os dramáticos desdobramentos, na vida de dois adolescentes, do vazamento de um vídeo íntimo de uma garota, foi recebido de forma calorosa pela plateia, que saiu impactada da projeção.

Na história, a vida de Tati (Tifanny  Dopke) vira de ponta a cabeça quando um vídeo íntimo com o namorado (Giovanni Lorenzi, o Ulisses da novela “Deus Salve o Rei”) acaba caindo no grupo de Whatsapp do colégio em que estudam, e viraliza nas redes sociais. O filme, que estreia dia 30 de agosto nas salas brasileiras, teve estreia mundial no Festival de Sundance, o mais importante do cinema independente americano, em janeiro.

A ideia de “Ferrugem” nasceu de uma inquietação pessoal do diretor. “Sou de uma geração analógica, pai de adolescentes, e que não foi preparado para educar jovens para os perigos do mundo digital. Já participei de reuniões de pais em que muitos se diziam orgulhosos de serem amigos dos filhos, quando devíamos nos comportar como educadores. As gerações de hoje não foram educadas para ouvir um não, não sabem lidar com frustrações, o que pode ser um perigo”, explica Muritiba.

O filme de Muritiba é o capítulo intermediário de uma trilogia sobre o impacto da tecnologia nas relações humanas – o primeiro foi “Para Minha Amada Morta” (2015), protagonizado por Fernando Alves Pinto.

Tifanny Dopke e Giovanni Lorenzi estrelam "Ferrugem", de Aly Muritiba - Divulgação - Divulgação
Tifanny Dopke e Giovanni Lorenzi estrelam "Ferrugem", de Aly Muritiba
Imagem: Divulgação

Gatilho

“Ferrugem” é dividido em duas partes: a primeira concentra-se no ponto de vista da vítima, e do crescente isolamento que se impõe após ataques que começa a sofrer na internet; a segunda é contada sob a perspectiva do namorado da jovem, um dos suspeitos de ter vazado o vídeo íntimo de Tati. A responsabilidade dos pais – ausentes na vida da garota; superprotetores na do rapaz – também é posta em xeque no filme.

“Não acho que as redes sociais são o problema, mas o modo como a utilizamos, o que fazemos com ela. Ninguém parece muito preocupado em preparar os jovens de hoje para as múltiplas realidades lá fora”, observa Muritiba, ex-professor e ex-agente carcerário. “Espero que o filme se torne um gatilho, que provoque uma discussão sobre o problema, e não como uma mensagem. Se eu quisesse passar uma mensagem, mandava um Whatsapp, é mais rápido e prático” (risos).

Em Gramado, o elenco jovem de “Ferrugem” usava camisetas com a pergunta “E agora que você sabe?”. “É o slogan da campanha que estamos colocando na rua junto com o lançamento do filme, para que a situação que ele mostra aconteça menos”, explica Muritiba. “É inaceitável, nos dias de hoje, com inúmeras fontes de informação, que alguém venha dizer que não sabe o que é considerado racismo, assédio, crime de ódio, linchamento virtual”.

“Anos atrás, houve um caso parecido como o do filme no colégio onde eu estudava, só que sem o mesmo fim trágico. Mas virou um caso de polícia. O anonimato da internet dá uma sensação de impunidade aos usuários, mas todos são responsáveis por seus atos”, reforçou Giovanni Lorenzi. 

Tifanny também tinha um caso parecido para contar. “A escola chegou a convocar uma assembleia com os pais dos alunos para discutir o assunto. Mas nada aconteceu com o menino que causou o linchamento virtual, mas a menina vai ficar marcada para sempre pelo episódio”.

Perigos da internet chegam ao cinema

“Ferrugem” se alinha a outros longas-metragens brasileiros recentes que exploram o impacto do mundo digital na vida dos usuários, como “Aos Teus Olhos”, lançado em abril. No filme dirigido por Carolina Jabor, vencedor do prêmio de público no Festival do Rio do ano passado, Daniel de Oliveira interpreta um professor de natação vítima de um linchamento na internet, depois que um dos seus alunos o acusa de tê-lo beijado durante a aula.

Já no ainda inédito “Luna”, do mineiro Cris Azzi, que fará sua estreia na competição do 51º Festival de Brasília, em setembro, a amizade entre duas adolescentes é abalada quando a intimidade de uma delas é exposta nas redes sociais.