Fernanda Montenegro fala em despedida na Bienal: "Até quando terei fôlego?"
Uma Fernanda Montenegro bastante emocionada se apresentou na Bienal do Livro de São Paulo neste sábado (11), o dia mais concorrido do evento que termina neste fim de semana. A atriz de 88 anos trouxe ao público seu recém-lançado livro de memórias fotográficas e, com a ajuda da filha Fernanda Torres, relembrou de histórias dos 75 anos de carreira.
Logo após ser apresentada como a grande estrela do teatro, da televisão e do cinema que é, Fernanda Montenegro já demonstrou os primeiros sinais de emoção ao observar a multidão a perder de vista que se concentrou na Arena Cultural e no entorno dela só para vê-la. “Espero dar conta”, comentou a atriz antes de começar a contar suas memórias com uma energia de dar inveja até aos vários adolescentes presentes.
Em um papo que resgatou desde as telenovelas mais recentes até suas amizades com figuras como Paulo Autran e Nelson Rodrigues, Fernanda Montenegro adotou um tom de despedida. “Não tem doença, mas é uma forma de despedida estar aqui hoje. Até quando eu vou ter fôlego? É uma plateia imensa, e, de repente, me vejo nela. Também não estou fazendo despedidas mórbidas. Mas é uma realidade”, pontuou a grande dama brasileira da dramaturgia.
O público que a deixou tão tocada reunia pessoas de todas as idades. “São 75 anos de plateias, mas essa aqui ganha. É muito comovente para uma atriz, não sei como agradecer a presença de vocês. É um momento muito especial na minha vida”, pontuou Fernanda, que seguiu. “Tem gente da idade dos meus filhos, dos meus netos e até da minha idade. Jovens e meus velhinhos queridos.”
Ela ainda fez questão de reiterar que sua presença no maior evento do mercado editorial do Brasil tinha um significado maior. “Não estamos aqui para fazer comércio de um livro de uma atriz. Eu juro a vocês. Há uma ambição sadia de transferir histórias que não vão se repetir. O mundo é outro.”
O livro publicado pelas Edições Sesc leva o nome dela e reúne, principalmente, fotos da longa carreira, mas também cartas e impressões da própria atriz em legendas. Há ainda artigos e depoimentos de escritores, diretores, críticos de arte e amigos.
“Vamos mudar esse país”
Apesar de admitir que vivemos outros tempos, Fernanda se mostrou bastante otimista em relação ao país. “Hoje vocês devem perceber de que crise nós saímos”, afirmou após contar uma história vivida ao lado do marido, Fernando Torres, na época da Ditadura de uma ameaça de bomba dentro do teatro.
“Vamos sair dessa crise. Eu não tenho dúvida. Tenho quase 90 anos. Eu já vi tanta crise, tanto buraco sem fundo, mas a gente é aquilo que o poeta diz: ‘acorda e canta’. Vamos acordar e cantar. Temos que ter esperança. Às vezes é uma palavra meio esquisita porque parece que a gente senta e espera. Mas eu estou falando de uma esperança ativa, rotativa. Basta a gente perseverar que vamos mudar esse país”, concluiu.
O Oscar que não veio
Fernanda também lembrou de quando foi indicada ao Oscar em 1998 por seu papel como a professora Dora de “Central do Brasil”. “Como é que eu fui parar no Oscar? Isso nunca foi premeditado. Houve um filme de Walter Salles. Houve uma cultura brasileira atrás dessa história tão fodida. Isso ainda acontece hoje com centenas de professores. Que no fim de sua vida são desrespeitados, desestimulados...”, falou, sendo interrompida por aplausos dos diversos professores presentes no público.
Falando em “perseverar”, Fernanda se recordou de como o papel apareceu para ela há 20 anos, em um momento em que já pensava na preparação para se despedir. “Não sei explicar porque ainda estou aqui tendo quase 90 anos”, confessa.
Ela então lembrou de uma grande professora a quem ela admirava e marcou sua vida escolar. "Eu fui muito feliz na minha meninice, nos anos 30. Tive um primário extraordinário. Através de professora, Carmosina Campos de Menezes, que nos implantava de um interesse pela vida, pela literatura, por tudo o que estava a nossa volta. Era um colégio público no subúrbio do Rio de Janeiro e a gente endeusava aquela mulher. E aí aos 70 anos me veio um personagem e eu pensei: ‘Jesus, eu serei hoje aquela grande professora primária da minha infância. Imagine se ela vivesse nos dias de hoje. Ela seria a Dora.”
Para Fernanda, foi justamente a história contada em “Central do Brasil” que chamou a atenção da Academia. “Essa temática brasileira dolorosa chegou lá fora e tocou os críticos que votavam. Então acabamos lá. É claro que eu jamais iria segurar aquela estatueta. Imagina... Sul-americana, latina, 70 anos. Mas fiquei feliz, porque nós conseguimos. A América se encontrou de novo.”
O teatro na TV
Fernanda, que segue ativa, recordou de várias fases suas na televisão. “Eu fui a primeira atriz contratada da TV Tupi do Rio de Janeiro. E o primeiro programa, a primeira série foi ‘Retrospectiva do Teatro Universal’. Me disseram que eu ia fazer Antígona e eu entrei em pânico. Mas a gente tem que perseverar. Fui me informar onde eu puder, comprei os livros que eu pude. Fiz a Antígona ao vivo. [...] Na verdade essa coisa da TV que hoje é tão popular começou nos braços do teatro. Foram dez anos – de 1957 a 1967 – que meu grupo fez teleteatro. Fizemos quase todos os russos, quase todos os brasileiros, os franceses, os alemães, os ingleses, através da TV”.
Para ela, a experiência de fazer teatro antes da TV fez toda a diferença para a longevidade de sua carreira. “Talvez vocês notem a diferença na minha geração quando vocês assistem a uma novela. O que é um ator que sai de um teatro, e o que é um ator que sai de um curso para TV. Não é que seja inferior, é uma outra linguagem. Eu só posso dizer ao jovem ator que se prepara para a TV que ele deveria fazer uma presença no palco”, aconselhou aos que estão iniciando na mesma carreira que ela.
Entre os grandes trabalhos, a dama da TV recordou a memorável cena dela com Paulo Autran da batalha de comida na primeira versão de “Guerra dos Sexos”, exibida entre 1983 e 1984.
“É uma cena fantástica e a gente não sabe como saiu tão bem. Porque não se ensaiou. Eles puseram a mesa com todos os doces e pudins, os leites, os chocolates. Não tínhamos outra roupa caso não funcionasse. Não podia parar tudo e lavar a cara, o cabelo. Foi assim. Uma mesa, cadeiras, quatro câmeras, um experiente diretor. E aí o Paulo e eu nos sentamos e começamos a olhar as comidas que tínhamos na nossa frente e de repente começamos a jogar coisas um no outro. Naquele momento nós fizemos teatro”, ressaltou.
Fernanda Montenegro fez ainda questão de lembrar de seu último trabalho na televisão, a novela “O Outro Lado do Paraíso, que acabou em maio deste ano. “O brasileiro gosta tanto do melodrama, do folhetim, que as novelas funcionam de uma maneira espetacular. Fiz com muito sucesso uma novela de Walcyr Carrasco onde me juntei a Laura Cardoso, Lima Duarte, Juca de Oliveira...”, concluiu citando com orgulho seus contemporâneos e parceiros de folhetim.
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