Por que o rock que está no topo das paradas não é mais rock?
Que o rock perdeu espaço no mainstream não é novidade nenhuma. O domínio do sertanejo e do funk é quase absoluto em qualquer veículo, seja no rádio, TV ou nas plataformas de streaming. Achar uma banda ou artista de rock nas paradas é tarefa árdua. Encontrar uma banda com menos de 10 anos de existência é impossível. São linhas e mais linhas nos rankings com nomes de MCs e duplas sertanejas até encontrar um representante do gênero. E quando encontramos - salvo raras exceções - temos um exemplar de "rock" que só se limita ao rótulo porque foi cadastrado daquela maneira no serviço de streaming. Não é rock.
O UOL acessou relatórios gerados pela Playax, uma plataforma capaz de "ouvir" diversas emissoras de rádio, TV e streaming para identificar as canções mais tocadas no país e gerar um ranking de acordo com o volume de reprodução.
Só neste mês, em que o Dia do Rock é celebrado em 13 de julho, a lista dos artistas mais reproduzidos é avassaladora na direção do sertanejo e funk. O primeiro representante do rock é o solitário Imagine Dragons, cuja força para estar ali é motivada pelo hit "Thunder". Mas, além de estar na categoria de rock das playlists, é rock mesmo? Sintetizadores, baterias eletrônicas, vocais digitalmente alterados. Não há como desmerecer a canção dos norte-americanos como hit. Sua posição é legítima. Mas única guitarra que dá pinta na canção surge com um solo tímido e manjado nos últimos 23 segundos da faixa. Não é suficiente. Não é rock.
O pop onde Ed Sheeran, Dua Lipa, Justin Bieber e Bruno Mars nadam de braçadas bateu forte nas bandas de rock do exterior, mas também respingou por aqui.
Rock BR: "fuga" para o pop
Ainda de acordo com os relatórios gerados na Playax, o UOL buscou os artistas brasileiros de rock mais tocados nas rádios no último mês. Novamente, o termo "rock" só serve como rótulo para filtrar resultados e não reflete a realidade das canções mais tocadas.
No topo do ranking está Marcelo Falcão, ex-vocalista da banda O Rappa. Mas seu nome está ali só por causa de uma parceria com a cantora IZA em "Pesadão", que tocou 25.413 vezes nos últimos 30 dias. Não é rock. Ponto para o pop.
Na sequência está Di Ferrero, que após a dissolução do NX Zero se lançou em carreira solo. "Sentença", com 11.378 reproduções, aposta em compassos dançantes que flertam com batidas de Justin Timberlake e Maroon 5. Também não é rock. Ponto para o pop. 2 a 0.
"Sentença", de Di Ferrero: é hit, mas não é rock
O pódio é completado pelos veteranos do Capital Inicial com "Não Me Olhe Assim", que foi tocada 10.621 vezes. Finalmente um representante do rock guitarra, baixo e bateria. 2 a 1. Vitória do pop.
Isolados, os números não assustam. Mas se compararmos com o top 3 dos líderes de todos os gêneros nas rádios, esses três são atropelados por Eduardo Costa ("Olha Ela Aí", como 66.829), Gusttavo Lima ("Apelido Carinhoso", como 63.755) e Naiara Azevedo ("Buá Buá", como 50.798).
Ou seja, mesmo "apelando" para o viés sedutor do pop, os números nem fazem cócegas nos sertanejos. Tentar o caminho do pop resolveu?
Clássicos firmes e fortes
Sabe aquela sensação de ir num barzinho e ver uma banda cover atacar com hits de outra época? Esse cheiro de naftalina também pode ser sentido nas listas de músicas mais tocadas nas plataformas digitais.
A nostalgia bate forte quando vemos a lista das 10 músicas de rock mais ouvidas no Brasil no Spotify. Entre elas estão "Californication" (1999), do Red Hot Chili Peppers, "The Scientist" (2002), do Coldplay, e "Wonderwall" (1995), do Oasis. Cadê as bandas novas?
"Youngblood", do 5 Seconds of Summer: guitarra é só pra aparecer no clipe mesmo
Na lista gerada pela Playax, temos novamente o Imagine Dragons no topo do ranking dos plays totais no gênero rock, seguido pelo inofensivo pop rock do 5 Seconds of Summer e Panic at the Disco.
Alternadas entre os "clássicos modernos", temos mais exemplos do fenômeno "rock que não é rock": "Something Just Like This", do The Chainsmoskers, "Sweater Weather", do The Neighbourhood, e "New Light", de John Mayer. Todas com flertes bem mais avançados com pop e eletro do que com o rock, como foram categorizadas.
Dizer que o "rock morreu" é uma apelação comum em artigos que surgem em datas como o Dia do Rock. O rock não morreu, ele só se mudou para a casa do lado, vive às custas do pop, relaxou no sofá e esqueceu de trocar o endereço da correspondência.
54 Comentários
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Sim. Estamos em uma época de expansão cultural e de ritmos domésticos. Esses mesmo considerados vulgares (politicamente falando) como funk, sertanejo, e outros que são originais do Brasil. Rock foi importado e não é uma manifestação cultural 100% legitimo do povo brasileiro. O Povo ta buscando sua identidade e podem falar mal ou inferiorizar o quanto for... é um caminho sem volta.
O resultado disso é meu completo abandono as rádios. Só escuto rádios que possam notícia ou que tocam músicas popular brasileira. Rádio para ouvir músicas novas eu abandonei. Sou um completo leigo quando começam falar nomes dos "cantores" novos. O mercado fonográfico acabou com essa geração.