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Netflix destrona HBO no Emmy: um triunfo da quantidade sobre a qualidade

Fachada do escritório da Netflix em Los Angeles - Divulgação/Netflix
Fachada do escritório da Netflix em Los Angeles
Imagem: Divulgação/Netflix

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

12/07/2018 15h00

As indicações ao Primetime Emmy Awards, o maior prêmio da televisão americana, nesta quinta-feira (12), trouxeram uma "passagem de bastão" nada confortável para a indústria que representam. Pela primeira vez em 18 anos, a HBO não pôde comemorar o primeiro lugar na lista de emissoras mais indicadas, perdendo a primazia para ninguém menos do que a Netflix, o serviço de streaming que mudou o jogo da televisão em 2013, quando começou a produzir séries originais.

A diferença, em si, não é tão grande: enquanto a Netflix saiu do anúncio feito nessa manhã com 112 indicações ao Emmy, a HBO saiu com 108. São meras quatro lembranças, nada que alguns atores coadjuvantes de "Game of Thrones" ou uma maior apreciação por "Insecure" e "The Deuce" não pudessem resolver - ainda assim, a lavada histórica de 18 anos na liderança do canal a cabo foi quebrada, e isso representa, inegavelmente, a consolidação da concorrente Netflix como a força dominante no cenário televisivo atual.

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O confronto HBO vs. Netflix é simbólico porque a primeira foi a responsável por dar à TV um tipo de prestígio que ela nunca teve antes. Com títulos como "Família Soprano" e "Sex and the City", que estrearam no final dos anos 1990, a HBO criou um espaço ideal para contar histórias profundas, livres de censura e excitantes na TV, além de trazer para ela a linguagem e a grandiosidade de recursos que anteriormente só se estendia ao cinema ("Game of Thrones" e "Westworld" que o digam). O slogan da emissora, por muito tempo, encarnou sua filosofia revolucionária: "Não é TV, é HBO", diziam os comerciais.

Os personagens Daenerys e Khal Drogo, de "Game of Thrones" - Reprodução - Reprodução
Os personagens Daenerys e Khal Drogo, de "Game of Thrones"
Imagem: Reprodução

Ver essa verdadeira entidade cultural atrás da Netflix no ranking do Emmy, por sua vez, é evidência cabal de outra revolução, que só não é reconhecida como tal por alguns setores especializados porque ainda está em curso. A Netflix, que deu o pontapé inicial e encapsulou em si a ascensão da "Peak TV", criou um ambiente de explosão produtiva e diversidade enorme dentro da televisão, apostando em todos os filões de programação e gastando bilhões em programas originais direcionados a nichos muito específicos do público.

Por 18 anos, a HBO reinou sobre a definição do que era "de prestígio" na TV, e sua liderança nas indicações do Emmy foi evidência estatística disso. O "selo de qualidade" da emissora criava fenômenos culturais mesmo quando não eram aprovados pela crítica ("Entourage", "Girls"), e raramente deixava fracassos irem ao ar (notáveis exceções: "Looking", "Hello Ladies") - uma era que acabou com a derrota dessa quinta (12), e que não deve voltar tão cedo.

Isso porque a Time Warner, companhia de entretenimento que é dona da HBO, foi recentemente comprada pela AT&T, gigante das telecomunicações nos Estados Unidos. Uma reportagem recente do "The New York Times" aponta que a primeira reunião entre os executivos da AT&T e os da HBO teve clima tenso, e que os novos "patrões" querem introduzir uma filosofia de produtividade maior na emissora, buscando apelar para públicos mais diversos e lançar mais títulos por ano. Ou seja: essencialmente, a AT&T quer que a HBO siga o caminho pavimentado pela Netflix.

É verdade que a política de séries "poucas, mas boas" da HBO tem aquele leve odor do elitismo - sua definição de "de prestígio" passa por crivos acadêmicos que eliminam a maioria das possibilidades de real ousadia na forma de suas produções, ainda que não no conteúdo. Enquanto isso, a Netflix "atira para todos os lados" e, eventualmente, acerta em um nicho excêntrico como "Bojack Horseman", "Desventuras em Série" e "Lady Dynamite", títulos que nunca seriam aprovados no crivo da HBO como a conhecemos nessas últimas duas décadas.

Pôster da segunda temporada da série "The Crown" - Reprodução - Reprodução
Pôster da série "The Crown", disponível na Netflix
Imagem: Reprodução

Teremos que esperar para conferir se a dominância de um padrão de produção sobre o outro, da quantidade pura sobre a qualidade acadêmica, vai ser algo positivo ou negativo para a cultura da televisão. Um leque maior de produções, feitas sobre filosofia diferente, traz tantas possibilidades extras de acerto quanto possibilidades extras de erro, como qualquer pessoa com discernimento de qualidade que já se arriscou a explorar as séries da Netflix pode muito bem te dizer.

O dia 17 de setembro, quando conheceremos os vencedores do Emmy 2018, será essencial nessa transição. Salvo algumas zebras, a HBO parece posicionada a garantir o seu reinado como a mais premiada, pelo menos: "Game of Thrones" e "Westworld" parecem vencedoras mais prováveis de melhor série dramática do que "Stranger Things" e "The Crown", por exemplo. Os paradigmas custam a mudar na indústria de Hollywood - a marcha do progresso (seja ele benéfico ou não) é lenta, mas nunca para.