Como Bruno Caliman usou o cinema e os jingles para dar a cara do sertanejo
É uma história já conhecida no mundo do sertanejo. Pouco importa que o Brasil inteiro cante suas músicas há dez anos, Bruno Caliman continua passando despercebido na rua. A pinta de rapaz comum, porém, não o impede de entrar, ano após ano, na lista dos compositores que mais faturam e emplacam canções nas rádios.
A lista de hits é longa: “Domingo de Manhã” e "Romântico anônimo" (Marcos & Belutti), "Te esperando", “2050” e "Escreve aí" (Luan Santana), "Camaro Amarelo" (Munhoz e Mariano), "Destino" (Lucas Lucco), “Beijo bom” (Paula Fernandes) e "Contrato" (Jorge e Mateus). Todas gestadas em um universo muito particular: seu quarto. “É meu mundo. Minha esposa precisa bater na porta para me tirar”, conta ao UOL.
São ossos do ofício de um dos compositores mais disputados no meio. “A vida de compositor não tem esse luxo. É matar um leão por canção”.
Depois de uma década circulando nos bastidores, enquanto suas músicas ajudavam a popularizar astros do sertanejo, ele começa a deixar o quarto pela primeira vez. Sem gravadora, empresário ou qualquer aparato tido como efêmero dentro do megalomaníaco mundo do sertanejo, Caliman agora liga a câmera para defender com a própria voz suas criações.
Mas é só ouvi-lo cantar para sacar que a sua onda é outra. Até mesmo “Oi”, canção sua defendida por Léo Magalhães na pegada do forró sertanejo, ganha outras camadas em uma versão mais folk, quase falada, como Zé Ramalho e Bob Dylan -- seus ídolos confessos.
“O ramo do sertanejo rola muito investimento. Tem que ser um cara que tem que ser bombadinho e seguir certos estereótipos”, ele explica. “No Brasil, o cantor sertanejo é um cantor romântico, um cara que tem a postura de conquista, de flerte com a plateia. E eu não tenho esse perfil”.
Sem a ânsia da fama, ele explica que o EP que pretende soltar até o fim do ano vai trabalhar outras formas e sons.
Antes que alguém aponte o dedo para um possível traidor do movimento, Caliman faz questão de observar: “O rock n’ roll não é música, é atitude, e eu vejo atitude rock n’ roll no Zé Rico, no Tião Carrero, no Bruno [da dupla com Marrone], que é um puta cantor de rock com aqueles graves”, explica. “Quando eu canto carrego essas duas coisas comigo”.
“Calimanismo”
A habilidade melódica e a arte de narrar histórias românticas, esmiuçando com um olhar compassivo sentimentos tão surrados, colocou Caliman em posição de destaque no momento em que o chamado sertanejo universitário revitalizava o gênero.
O primeiro sucesso veio em 2007. Gravada por Léo Magalhães, “Locutor” narrava a sofrência de um ébrio que liga para a rádio não para pedir música, mas sim, desabafar sobre um amor que partiu. “Descobri junto com os próprios artistas essa nova explosão do gênero. No comecinho, ninguém sabia o que era aquilo direito. Não havia uma linguagem estabelecida.”
Em pouco tempo, os escritórios e produtoras do ramo começam a ir atrás daquele compositor com fama de revelar artistas. Era o início de uma fase chamada nos bastidores de “calimanismo”.
Roteirista de casos de amor
Nascido na cidadezinha de Itamarajú, no interior da Bahia, Caliman passou boa parte da infância morando em uma fazenda onde ouvia ao mesmo tempo -- e com a mesma intensidade -- Pink Floyd e Pena Branca & Xavantinho.
O dom, no entanto, só seria lapidado nas ruas. Quando se tornou uma espécie de andarilho com o violão sempre a tiracolo. Percorria lojas e comércios das cidades vizinhas oferecendo jingles. “Era como se fosse um vendedor de redes. Eu entrava na loja com violão e tocava ao vivo para o gerente da padaria, da farmácia, da loja de gás”.
“Camaro Amarelo”, hit chiclete que fez a vida da dupla sertaneja Munhoz e Mariano em 2012, nasceu dentro de uma loja de tecidos. “O gerente queria mostrar que todos os produtos estavam com 12 vezes sem juros. Então eu cantarolei: ‘Agora tudo é doze, doze, doze, doze'. ‘Beber, Cair e Levantar’ (sucesso gravado por Leonardo e Aviões do Forró) vem lá dos primórdios, também era um jingle”, conta.
Isso explica o fato dessas canções, após estourarem nas rádios, virarem justamente jingles de produtos e até de candidaturas políticas. Caliman ri: “Você matou a charada. Pra você ver o poder da melodia. Eu não podia errar, cara. Eu viajava de de ônibus, fazia cinco cidades por dia, tinha que acertar de cara para ganhar entre 50, e 100 reais.”
A peregrinação era uma necessidade, porque seu sonho era outro: “Eu estudei cinema e queria mesmo era escrever roteiros de filmes”. Foi quando percebeu que podia adaptar seus contos e roteiros nas músicas. A história de um homem a esperar a amada “nem que já esteja velhinha gagá, com noventa, viúva, sozinha” em “Te Esperando”, sucesso de Luan Santana, saiu de um roteiro guardado na gaveta.
O “calimanismo” hoje circula até no pop e na MPB. Caliman já compôs para Tiê (“Amuleto”), Luiza Possi (“Pensando Bem”) e atualmente tem trabalhado junto com Ana Carolina para o próximo disco da cantora.
“Tem autores que são profissionais em fazer uma música especificamente para aquele artista. Eles sabem o caquetes do artista, sabem do que ele gosta. A minha história é diferente. Eu sou como um pintor com vários quadros. O artista vem aqui e fala: ‘Olha, esse combina com a minha sala, vou levar’. Toda vez que eu tento fazer uma música para eles, fica uma bosta. Nunca deu certo.”
Ele garante que o segredo é fazer canções sempre para si mesmo. “Eu tenho um pedestal aqui no quarto, olho no espelho e fico cantando a música”, conta. “Até as músicas mais bobinhas, eu as faço para mim. Faço para convencer o meu coração. Não me importa no que isso vai dar depois.”
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