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Como o último riff marcante do rock virou sinônimo de Copa do Mundo

Felipe Varanda/Folhapress
Imagem: Felipe Varanda/Folhapress

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

06/07/2018 04h00

Você sabe que um jogo da Copa do Mundo da Rússia está prestes a começar quando os jogadores entram em campo ao som de um já conhecido riff de guitarra. Tocada antes mesmo dos hinos de cada país, a característica guitarra de "Seven Nation Army", da dupla americana de rock White Stripes, é a música que une todos os times e nacionalidades há quatro mundiais.

O último grande riff do rock levou a canção à essa popularidade graças aos coros e gritos da torcida do esporte mais popular do mundo. A música foi criada em 2002, durante uma despretensiosa passagem de som da dupla para um show na Austrália. O líder e guitarrista Jack White repetiu o riff de sete notas para um integrante da sua equipe, que respondeu laconicamente: "É ok".

O músico sabia que aquele riff tão assobiável não era apenas "ok" e exigiu que a música fosse o primeiro single do quarto álbum da dupla que mantinha com a baterista Meg White, "Elephant" (2003). Gravou a canção de forma analógica e fez a introdução com som de baixo, tirado de uma guitarra antiga -- uma KayHollowbody de 1950, com o corpo revestido com papel.

A canção foi lançada em um momento em que o rock alternativo vivia seus dias de glória e acabou por impulsionar a dupla rumo à aclamação mundial. Mas o tiro de meta veio apenas sete meses depois de seu lançamento.

Era uma noite de outubro e o Milan enfrentaria o Club Brugge, um dos times mais tradicionais da Bélgica, na fase de grupos da Liga dos Campeões, na Itália. Conta a lenda que, animados com a disputa, os torcedores belgas estavam em um bar da cidade quando o sucesso do momento tocou na caixa de som. Para provocar a torcida adversária, começaram a acompanhar o trecho marcante com um coro embriagado, que se seguiu até a porta do estádio, onde o Brugge venceu a partida por 1 a 0.

Sentindo que aquele cântico trazia sorte, os torcedores adotaram a música. Três anos depois, os belgas receberam a Roma pela Liga Europa sem repetir a mesma façanha. Com 2 a 0 no placar, os italianos pegaram emprestado a música dos adversários e cantaram ainda mais alto.

O capitão do time italiano na época, Francesco Totti, relembrou a um jornal alemão quando, do gramado, ouviu o estádio explodir em coro: "Desde então eu não consigo tirar o 'po po po po po po' da minha cabeça. Parecia fantástico e a multidão estava totalmente envolvida. Eu rapidamente saí e comprei um dos álbuns da banda".

A última grande canção folclórica

"Seven Nation Army" acabou tocando na Copa do Mundo seguinte, em 2006, na Alemanha, e embalou o tetracampeonato da Itália contra a França nos pênaltis. Dois dias depois, as estrelas da seleção Alessandro Del Piero e Marco Materazzi se juntaram aos Rolling Stones em um show e lideraram uma multidão de meio milhão de pessoas em uma versão da música.

Com esse aval de peso, fica fácil colocar a canção ao lado de riffs eternizados, como "Satisfaction" (Rolling Stones), "Back to Black" (AC/DC) e "Iron Man" (Black Sabbath) --estes últimos, impulsionados por entrarem na trilha sonora de blockbusters de super-heróis.

A diferença é que o número de pessoas que adotaram "Seven Nation Army" em suas vidas -- seja através de jogos, comerciais, incontáveis remixes e até manifestações políticas (a música foi entoada em coro na Primavera Árabe, no Egito, em 2011)-- deve estar na casa dos bilhões, conquistando um sucesso maior do que própria banda e seu autor.

O White Stripes encerrou suas atividades em 2011, mas "Seven Nation Army" continua, além dos estádios, sendo tocada ao vivo nos shows solo do guitarrista. White nunca revelou quanto sua música mais famosa rende aos seus bolsos, mas sempre deixou claro que se trata do maior orgulho da sua carreira.

"Nada é mais bonito do que quando as pessoas abraçam uma melodia e permitem que ela entre no panteão da música folclórica", disse White em 2014. "Como compositor, é algo impossível de planejar. Especialmente nos tempos modernos. Eu amo que a maioria das pessoas que está cantando não tem ideia de onde veio. Isso é música folclórica."