"Não é a mamãe"? Por que "Família Dinossauros" nunca foi série de criança
Sucesso no início dos anos 1990, "Família Dinossauros" marcou época na televisão por diversos motivos: o carisma de seus personagens --como não amar Baby?--, a inovação técnica no universo dos fantoches e as histórias, que muitas vezes eram encaradas como mero divertimento infantil.
Mas não é bem assim. Criada pela Disney em parceria com Michael Jacobs e a The Jim Henson Company, criadora dos Muppets, a série fazia uma contundente sátira ao "american way of life" e não tinha vergonha em tocar de forma crítica e progressista em temas controversos, que continuam atuais 24 anos após o fim da atração.
Veja abaixo como os dinossauros mais amados da sua infância --que atualmente podem ser vistos no Canal Viva-- estavam falando de coisa séria.
Assédio sexual
Sim, você pode não ter percebido, mas "Família Dinossauros" falou de feminismo. E mais de uma vez. Há um episódio só sobre o tema: "O que Harris Sexual quis Dizer?". Nele, a solteirona Mônica Desvertebrada começa a trabalhar com Dino para o senhor Richfield, mas é demitida. O motivo? Ela se recusou a sair com seu supervisor, Sexual Harris, trocadilho para "sexual harassment", ou assédio sexual em inglês. Bem direto. Outro exemplo: o dia em que Charlene precisou enfrentar o preconceito da sociedade e da família quando decidiu procurar um emprego. Nada disso foi colocado ali por acaso.
Guerra às drogas
A metáfora é clara: vegetal = droga. No episódio "Carnívoro Não", da segunda temporada, o adolescente Bob cogita consumir vegetais e virar herbívoro, um "crime" para a família. Desesperado, seu pai, Dino, tenta de todas as formas demover a ideia do filho. A alusão ao consumo de maconha e à guerra às drogas, travada nos EUA desde os anos 1970, é hilária. A cena em que Dino revira o quarto do rebento e encontra um "subversivo" brócolis dentro de um saquinho plástico é o ponto alto.
Televisão imbecializante
Vários episódios mostram como a televisão pode ser imbecilizante. Como esquecer o dia em que Bob perde a consciência no sofá ao "esquecer de respirar" vendo TV? Em "Gênio da TV", Dino se torna responsável pela programação de uma emissora. A audiência vai bem, mas os dinossauros começam a ficar burros e incapazes de realizar as tarefas mais simples do cotidiano. O motivo? Os programas escolhidos por ele são de baixíssima qualidade. Alguma semelhança com a vida real?
O "homem" destruindo a natureza
O episódio final de "Família Dinossauros", "Mudando a Natureza", é uma adaga no coração dos fãs. Uma fábrica de creme de frutas extermina todos os besouros, deixando as papoulas crescerem livres. Dino borrifa veneno na flor, mas o agrotóxico acaba pondo fim a todas as plantas no planeta. A reação em cadeia culmina em um longo e tenebroso inverno, e a série chega ao fim com uma triste previsão do telejornal. "Neve contínua, escuridão e frio extremo. Aqui é Howard Handupme. Boa noite. E adeus!”. Sim, todos eles morrem. E por culpa dos próprios dinossauros.
Maus-tratos e abandono de idosos
A forma como a sociedade abandona as pessoas mais velhas é o mote do popular episódio "O Dia do Arremesso", em que Dino não se contém em si ao ter que jogar a sogra em um poço de piche em seu 72º aniversário. Trata-se de uma antiga tradição dos dinos. Bob não concorda com o triste fim da avó e decide interceder, provando que certos hábitos passados de geração em geração simplesmente não fazem sentido. Nada mais progressista.
Assédio moral
Assédio moral poderia ser o segundo sobrenome do senhor Richfield, chefe de Dino na Wesayso, empresa que derruba árvores para dar lugar a empreendimentos. Ele é o típico mandachuva carrasco sem moral nem coração, que grita, chantageia e faz de gato e sapato todos os subalternos. Bronco e pouco inteligente, ele ameaça demitir Dino no dia em que ele pede um aumento e se recusa a pagar indenização quando o funcionário se machuca no trabalho. Já teve um chefe assim? Esse tipo de comportamento tóxico no ambiente de trabalho passou a ser fortemente debatido anos depois e ainda é uma questão atualíssima.
Tráfico de animais
A ecologia é representada de diversas maneiras na série, que estreou um ano antes da Eco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro). No episódio "Espécie em Extinção", Dino dá de presente a Fran o último casal de micos anões, um prato apreciado pelos dinossauros. Bob, sempre ele, vê o absurdo da ação e decide salvar os animais, que acabam nas mãos do senhor Richfield. A crítica ao tráfico de animais é clara e também esbarra no consumo desenfreado e insustentável, um dos debates mais importantes do século 21.
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