Compositor de Matheus e Kauan, Haitam estreia no hip-hop e ataca "máfia" sertaneja
Haitam Smaili circulou durante dois anos na cena do sertanejo, compondo para duplas como Matheus e Kauan e Zé Neto e Cristiano, mas preferiu ficar longe do gênero quando finalmente decidiu colocar em prática o sonho antigo de ser ele mesmo um artista.
Primeiro porque Haitam, que começa a fazer barulho com o single “Sente Falta”, nunca escreveu uma canção sertaneja. Ele se tornou queridinho dos produtores por justamente trazer referências mais pop ao repertório das duplas. E segundo: a experiência dentro dessa verdadeira indústria pode até ter sido enriquecedora para entender o mercado, mas também lhe trouxe decepção.
“A forma que eles conduziam a relação entre empresários e artistas não era uma forma muito humana”, diz ele, que chegou a tentar embarcar em projetos desses mesmos produtores para lançá-lo na música. “Mas tudo se baseava em um empresário tentando levar dinheiro de um investidor. Essa é a realidade nua e crua. São investimentos milionários. R$ 1 milhão não é nada”.
Sem apoio e “investimento", sua primeira música chegou na batida do hip-hop e conquistou organicamente um número considerável de fãs, beirando 500 mil execuções no YouTube.
O agora cantor de 28 anos aparece no clipe de cabelos compridos e bigode -- um “narcomusicante”, como ele se define. Visual impossível de existir sob contratos e orientações que ele testemunhou nos bastidores.
“Eles moldam tudo. Pra você ter ideia, tentaram fazer com que eu assinasse um contrato em que eu não podia fazer tatuagem nem cortar o cabelo sem aviso prévio.”
Isso sem falar em seu próprio nome de origem árabe, que ele passa a usar profissionalmente pela primeira vez. Ao entrar no mercado, pediram que ele assinasse as canções com um pseudônimo. “Achavam que meu nome poderia ser vinculado ao islamismo, terrorismo e tal”, conta.
Criou então Bruno Villa, que passou a assinar canções como “Nessas Horas” (Matheus e Kauan), “Armadura” (Zé Neto e Cristiano) e “Náufrago” (Sophia Abrahão), e serviu como uma espécie de agente duplo ao trabalhar em Goiânia, até hoje o principal polo dessa indústria sertaneja.
“Villa foi espião no cerrado e nenhum deles notou ele por ali”, ele canta em “Profecia”, uma das músicas de seu primeiro trabalho, gravado com os brasilienses do grupo Pacificadores. “Haitam vem com a marcha pesada, e nenhum deles pode tirá-lo daqui / Tinham amor pelo paulistano que ganhou o mesmo que Abel ganhou de Caim / Desenha hits nível ‘Morango do Nordeste’, neguim cabradaBest”.
"Espião no cerrado"
Haitam entrou no mercado sertanejo graças à insistência. O desejo de trabalhar com música, e saber como o mercado funcionava, o levou a morar em Goiânia por dois anos.
Começou como fotógrafo e produtor audiovisual, dirigindo clipes e um DVD para a sertaneja Paula Mattos, até ganhar espaço com suas composições. Ele continua compondo para novos projetos, que vão do grupo Pixote à dupla Simone e Simaria, de quem ele é amigo.
Mas a convivência entre empresários e produtores transparece em seu primeiro disco, “All in”, que ele prepara para o segundo semestre com assinatura do beatmaker André Nine, que já trabalhou com Haikaiss e Projota. O título vem da expressão na jogatina quando a aposta no jogo é total. Nessa mesa, o que ele oferece é um disco essencialmente de rap e R&B, com pitadas de música latina e participações do Costa Gold e do Haikaiss e alguns ‘diss’ – termo usado quando um rapper “ataca” um cantor ou gravadora adversária através da música.
Ainda em “Profecia”, ele compara o Império Otomano, um dos mais duradouros da História turca, à máfia da música no Brasil. “Mal presságio que me golpeou, sei que a audioshow fabricou, mas não vingou / La mafia de la musica vive como Império Otomano, hip hop viene vingar, Mustafa Kamel, hermano”, ele canta.
“A gente vê que a máfia da música hoje virou mais ou menos isso, um império que eles acham que não vai ter fim. Que eles são o único e nada pode abalar”, explica.
“A música sertaneja é um dos alicerces da nossa música e merece todo o respeito. Não podemos generalizar, existem muitos profissionais e artistas que zelam por uma boa qualidade musical. O que acontece é que a máquina que domina tem abusado dos profissionais. Eles caíram nessa guerra de [músicas] chicletes, e deixaram de lado o conceito e a mensagem da música."
Ele se lembra de quando foi repreendido ao usar “intelecto” em uma das estrofes de uma canção. “A galera quer vender as coisas como se o povo fosse burro. Isso é o que mais me deixava indignado.”
Falar sobre política então, fora de cogitação. Tanto é que no disco ele lança mão de versos mais políticos, como em “Venezuela Libre”, cantada em espanhol. “Meus avós migraram uma parte para o Brasil e outra para a Venezuela. As pessoas estão morrendo de fome mesmo. Comem do lixo. O negócio é feio”, opina.
“A gente não está vindo por artimanhas, de forma montada”, diz. “Não quero me colocar nessa cadeia de compositores que só faz para ganhar dinheiro. Eu acredito que o talento pode vencer."
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