Topo

"Os argumentos eram frágeis", defende diretora de filme sobre impeachment

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

17/05/2018 04h00

“O Processo”, documentário sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff que chega aos cinemas nesta quinta (17), deve se tornar mais uma vítima da polarização política que assola o país desde meados de 2013. Não porque o filme em si caia na armadilha de dividir o mundo entre “petistas vs. coxinhas”. Pelo contrário: o documentário dirigido por Maria Augusta Ramos tenta reconstruir com muita sobriedade aqueles fatídicos quatro meses de 2016. Mas, dois anos depois, talvez seja ainda mais difícil construir uma ponte que aproxime essas posições opostas, e mais difícil ainda fazer com que apoiadores do impeachment admitam que as motivações políticas foram mais fortes do que as jurídicas.

“Acho que os argumentos [da acusação] eram frágeis mesmo”, afirma Ramos, ao explicar por que, em seu filme, os argumentos minuciosos e estritamente jurídicos usados pela defesa para demonstrar que as "pedaladas fiscais" não caracterizavam crime de responsabilidade contrastam tanto com as justificativas quase exclusivamente políticas levantadas pela acusação, que se concentra na ideia de que a corrupção e as políticas econômicas dos governos do PT (Partido dos Trabalhadores) foram responsáveis pela crise em que o país se encontrava.

A cineasta, que dedicou parte de sua carreira a examinar o funcionamento do judiciário, com documentários como “Justiça” (2004) e “Juízo” (2007), defende que abordou os acontecimentos com honestidade, mas não foge de tomar uma posição.

Cena do documentário "O Processo", sobre o impeachment de Dilma Rousseff - Divulgação - Divulgação
Cena do documentário "O Processo"
Imagem: Divulgação

“É um cinema reflexivo. Ele tenta retratar aquela realidade, o processo, na sua multidimensionalidade, nas suas várias narrativas. Você é convidado a ver aquilo e refletir. Claro que é uma visão minha, não existe documentário imparcial, não existe isenção, não existe documentário neutro”, admite.

Ela espera que o público seja capaz de superar a polarização para refletir sobre o que aconteceu nos últimos dois anos, mas entende que a situação é delicada. “Espero que quem foi a favor do impeachment assista ao documentário, mas entendo que é uma questão que se coloca. Acho a polarização piorou e isso está levando o país a um abismo, porque gera uma grande intolerância dos dois lados, gera ódio. E esse ódio pairando faz muito mal, é muito destrutivo”.

O outro lado

Justamente por que gostaria de dialogar com um público de diversas orientações políticas, Ramos lamenta não ter tido tanto acesso ao lado pró-impeachment do processo quanto teve a figuras aliadas de Dilma, como os senadores Gleisi Hoffmann e Lindberg Farias e o advogado de defesa José Eduardo Cardozo.

Por esse motivo, a equipe de acusação é em grande parte representada pela advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment e uma das únicas figuras da oposição que abriu espaço para as filmagens. O que não ajuda muito a dar consistência aos argumentos da acusação, já que Janaína ficou conhecida por seus trejeitos e performances exagerados. No filme, não faltam caretas e discursos que beiram o desconexo (como quando lembra que Dilma queria ser bailarina quando criança, ou quando afirma que defende o impeachment em nome das “criancinhas do Brasil”). Mas Ramos fez questão de não espetacularizar ainda mais a figura da advogada.

“Não tinha a menor possibilidade de usar nada que não se desse naquele contexto [do processo]”, esclarece a diretora. “Nunca passou pela minha cabeça usar qualquer outra imagem da advogada Janaína. E acho sim, que também tinha um desejo de humanizá-la e mostrar quem ela é, o que ela pensa, como ela pensa. Se para a esquerda, para pessoas que são altamente críticas, da posição e da atuação dela, parece caricato, acho que para pessoas que concordam com ela provavelmente não vai ser. Pelo contrário, acho que foi tudo feito no sentido de não criar uma caricatura, de mostrá-la com respeito”.

A diretora Maria Augusta Ramos - Divulgação/Ana Paula Amorim - Divulgação/Ana Paula Amorim
A diretora Maria Augusta Ramos
Imagem: Divulgação/Ana Paula Amorim

A diretora continua: “Mas não é só a Janaina que defende os argumentos pró-impeachment. Em vários momentos você tem o senador Cássio Cunha Lima, que não é absolutamente caricato, o [Ronaldo] Caiado, a Simone Tebet, o [Ricardo] Ferraço. Acho que tratei todos os personagens que foram a favor do impeachment com respeito. Escolhi o senador [Cássio Cunha Lima] porque ele formula os argumentos da direita muito bem, de maneira muito clara e inteligente. Porque tinham vários senadores que seriam muito mais sensacionalistas, e eu não queria isso, eu queria os argumentos racionais, lógicos”, argumenta.

Bastidores

Caso algum dos personagens pró-impeachment assista ao documentário, talvez se arrependa de não ter dado mais acesso a Ramos, porque os momentos mais esclarecedores do filme são justamente os bastidores da defesa de Dilma. É ali que vemos que todos os envolvidos sabiam desde o início que as chances de vitória eram muito reduzidas, e inclusive reavaliam o caminho que levou o PT até ali.

Em determinado ponto, Hoffmann pondera que o partido perdeu o apoio de movimentos sociais. Em outro, mostra-se pouco confiante na possibilidade de Dilma conseguir governar, caso o impeachment fosse barrado.

“Acho importante a gente analisar [o impeachment] com esse distanciamento que temos agora, um distanciamento que o cinema permite, de sentar em uma sala de cinema como observador e rever tudo aquilo” diz Ramos. “E rever no sentido de rever a sua própria opinião na época, os seus próprios questionamentos. E não digo isso só para a direita e para quem foi a favor do impeachment, digo isso para a esquerda também. Acho que a gente tem também que fazer uma autocrítica. E o filme contempla a autocrítica da esquerda”, acredita.

Figura forte

Só não espere grandes revelações sobre a intimidade da ex-presidente durante os meses do processo. “Ela não gosta muito de ser filmada, isso é um fato. Eu também detesto, então, nesse sentido, eu me identifico completamente com ela. E como Presidente da República, o acesso era muito mais restrito para mim”, conta a cineasta, que se aproximou um pouco mais de Dilma depois do fim das filmagens.

“Eu tive acesso sim a ela no Alvorada, recebendo pessoas, mas não tive o acesso que tive à defesa da presidenta. Filmei atos, os discursos dela e, nas poucas vezes em que consegui filmá-la mais de perto, o que me surpreendeu foi a força. Uma figura muito forte, muito inteligente, muito culta. Espero que o filme tenha humanizado um pouco ela. Acho que a mídia de maneira geral demonizou muito”.

Dilma já assistiu ao documentário, antes mesmo da estreia no Festival de Berlim, mas a diretora não revela qual foi a reação. “Você vai ter que perguntar para ela”, responde, rindo. O UOL entrou em contato com a assessoria da ex-presidente, mas foi informado de que ela não concederia entrevista ou se pronunciaria sobre o assunto neste momento.