Wim Wenders diz que filme sobre Papa não é só para católicos ou cristãos
Em 2013, o diretor alemão Wim Wenders foi surpreendido por um convite que o Vaticano jamais ousou fazer mesmo ao mais católico dos cineastas: rodar um documentário sobre o Papa Francisco. Mesmo que a fé cristã não seja uma das marcas de sua filmografia, o diretor alemão (de "Paris, Texas" e "Buena Vista Social Club") topou o desafio, e o resultado foi apresentado ontem no Festival de Cannes, fora de competição.
"Pope Francis: a Man of His Word" (Papa Francisco, um Homem de palavra, em tradução livre) são duas horas e dez minutos em que o diretor tenta passar ao público uma noção do que atual pontífice representa no mundo e na história do Vaticano, destacando sua mensagem e seu estilo de atuação na Igreja Católica. O cineasta teve acesso a material gravado por terceiros – sobretudo de suas viagens pelo mundo (inclusive o Brasil) –, mas também teve a chance de entrevistar o Papa com exclusividade.
“Não é um filme unicamente reservado aos católicos ou aos cristãos. O Papa abre os braços para todos”, diz Wenders, em nota escrita voltada para os jornalistas – o Festival de Cannes não promoveu entrevista coletiva de imprensa sobre o filme. “Nesses tempos problemáticos, em que a desconfiança de políticos e do poder é enorme, em que reinam a corrupção e a desinformação, nosso filme permite ir ao encontro de um homem que vive de acordo com os princípios que ele mesmo prega e que soube ganhar a confiança das pessoas de todos os horizontes, culturas e crenças”, diz o cineasta.
"O Vaticano insistiu em uma transparência total e me deu literalmente carta branca, um acesso que foi também precioso por permitir acesso a seus arquivos e a decisão final sobre a montagem”, prossegue Wenders. “Deixaram-nos filmar sem fazer intervenções. Nós filmamos quatro longas entrevistas com o Papa Francisco, ao longo de quatro tardes distintas, espalhadas por dois anos. Três delas foram filmadas em ambientes internos, em salas distintas, e uma em um jardim, mas sempre no Vaticano”, explica.
O filme começa com uma imagem aérea, por trás de nuvens, de uma cidade que logo descobrimos ser Assis, na Itália. Ali, nos diz uma narração em off, viveu e pregou Francisco, homem que no século 13 teve uma solução “revolucionária” para enfrentar dramas do mundo (da época, mas que serviriam também aos modernos). Renunciou a qualquer tipo de luxo ou riqueza, levando ao pé da letra alguns ensinamentos bíblicos em defesa de uma nova fraternidade humana. Foi o homem que inspirou o argentino Jorge Mario Bergoglio a assumir a identidade de Francisco e retomar suas ideias em seu papado, e o longa traça constantes paralelos entre os dois homens.
"A pobreza está no centro do Evangelho", diz o Papa, em uma de suas falas. “A grande tentação dos homens, inclusive da Igreja, sempre foi com a riqueza”, prossegue. O filme apresenta Francisco como um homem que defende, além do desapego aos excessos materiais, uma sociedade mais igualitária e humanista. Em uma cena, extraída de um discurso na Favela da Varginha, no Rio de Janeiro, Francisco diz (em português): “Sempre se pode colocar mais água no feijão!”, frase proferida no sentido da importância de se compartilhar com os que necessitam.
Muitos hão de estranhar que o longa praticamente não fala sobre a trajetória de Francisco antes do papado; seu foco é em sua atuação no Vaticano. “Não me interessou falar de suas origens. É menos uma biografia do homem do que uma de suas ideias”, defende-se o cineasta.
Por outro lado, temas controversos não são evitados. Em uma cena de arquivo, o papa é indagado (em pergunta da jornalista brasileira Ilze Scamparini, da TV Globo, em um vôo papal) sobre sua visão sobre os gays. “Se um homem vive em busca do Senhor, quem sou eu para julgá-lo? Devemos ser mais irmãos, não devemos marginalizar essas pessoas [só por sua orientação sexual]”, diz o pontífice. Tem uma visão menos afinada com a sensibilidade “moderna”, porém, quando fala sobre a luta das mulheres. “É preciso a complementaridade entre homem e mulher”, diz, rechaçando que o feminismo tenha um papel nesse sentido. Assim como o machismo, ele serviria antes para desunir ainda mais homens e mulheres, segundo o papa.
Mais adiante, o papa comenta sobre os crimes de pedofilia cometidos por religiosos católicos. “É um problema grave”, diz o pontífice. “Diante da pedofilia, é preciso tolerância zero. Devem-se punir os sacerdotes com esses problemas, e os Bispos devem, inclusive, acompanhar os pais dos abusados nos tribunais”, defende, com o semblante sério.
E o papa comenta, também, sobre questões menos terrenas, e mais ligadas a explicações dogmáticas. Por que Deus, se é tão bondoso, permite tanto sofrimento humano, sobretudo o de crianças. “Nós somos pessoas livres. Deus permite isso, nos criou apostando no jogo da liberdade”, diz Francisco, indicando que o mal que os homens praticam vem justamente dessa liberdade. Mas também é ela que permite que as pessoas amem. “Sem liberdade não se pode amar, porque o amor supõe uma opção”, diz.
O filme se ressente de bastidores na vida no Vaticano e visões de outros grupos católicos opostos a Francisco. E não traz uma visão crítica: apenas lhe dá a palavra para se expressar. “É um homem que vive o que prega, e essa é uma atitude que eu respeito fundamentalmente”, diz Wenders. Por enquanto, não há previsão e distribuição do filme no Brasil.
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