Topo

Diretor brasileiro é aplaudido em Cannes com filme estrelado por vilão de James Bond

O diretor brasileiro Joe Penna e o ator dinamarquês Mads Mikkelsen em Cannes - AFP/ Anne-Christine
O diretor brasileiro Joe Penna e o ator dinamarquês Mads Mikkelsen em Cannes Imagem: AFP/ Anne-Christine

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

12/05/2018 12h26

Normalmente, um diretor começa a carreira em seu próprio país e, só depois de famoso, pode se dar ao luxo de fazer produções internacionais. Mas não Joe Penna: aos 30 anos, o brasileiro, mais conhecido na internet como o youtuber MysteryGuitarMan, estreia já em grande estilo como diretor de longas em “Arctic”, exibido ontem com aplausos no Festival de Cannes.

Produção com capital islandês e americano, estrelada pelo ator dinamarquês Mads Mikkelsen (vilão de “Cassino Royale” e protagonista da série “Hannibal”), o filme foi exibido na sessão Midnight Screenings, paralela à mostra competitiva. Mas que denota alto prestígio, sobretudo por ter sido um convite da organização do festival a um cineasta de primeira viagem.

O começo atipicamente glorioso da carreira de Penna deve ao seu trabalho no Youtube. Foi ali que, com vídeos criativos, conseguiu uma série de fãs, que ele agora quer levar para conhecer seu trabalho como realizador.

“Comecei a ser youtuber há 12 anos: é como uma escola pública de cinema”, disse Penna ao UOL, em Cannes. “Ali você pode evoluir dos filmes bem mais simples, como os que eu fazia no início, até trabalhos mais complicados, que exigiam a colaboração de equipes maiores. Isso evoluiu para a produção de curtas, comerciais e videoclipes. Então, depois de fazer um média-metragem de 40 minutos, me pareceu que já era hora de arriscar em um longa-metragem”, diz.

O ator Mads Mikkelsen em cena de "Arctic" - Reprodução - Reprodução
O ator Mads Mikkelsen em cena de "Actic"
Imagem: Reprodução

“Arctic” quase não tem falas: mostra um homem (Mikkelsen) que, após um acidente aéreo, se vê isolado no meio da neve ártica. Ele se dedica a simplesmente sobreviver, com uma dieta à base dos peixes que dá sorte de pescar, enquanto espera que, em um milagre, alguém o resgate.

Certo dia, um helicóptero surge para salvá-lo, mas um novo acidente prolonga sua temporada ártica. Mas o desafio fica ainda maior, já que ele precisa agora cuidar de uma das tripulantes, que está entre a vida e a morte. E o filme acompanha o calvário daquele homem, vulnerável a constantes tempestades de neve, ataques de ursos polares famintos e a tristeza diante da possibilidade de nunca sair dali, mas que vê em sua nova companheira de isolamento uma motivação para não desistir.

A ideia de começar com um longa quase mudo e sobre a sobrevivência humana veio de uma lição aprendida no Youtube. “Não interessa se você é do Brasil, da Dinamarca, da Bélgica... Você pode entender o sentido [dos vídeos no Youtube], se não pelos diálogos, pela música, pelas expressões faciais e outras ferramentas. Foi algo que quis manter nesse primeiro filme: fazer um filme que todo mundo pudesse compreender facilmente.”

Joe nasceu Jonatas e passou parte da infância em Poá (região metropolitana de São Paulo), até se mudar, ainda adolescente, com a família, para os EUA, em 1999. Com o surgimento do Youtube, começou a fazer vídeos caseiros sem muita ambição e disponibilizar no site de streaming, mas que acabaram caindo no gosto dos seguidores. Tornou-se aos poucos uma celebridade digital, que hoje conta com 7 milhões de seguidores.

Seus vídeos são em geral divertidos e sobre temas bastante variados – em um deles, por exemplo, filma barulho de taças de bebidas e edita os sons, formando o Hino Nacional do Brasil. Sua popularidade pregressa foi um passo essencial para que produtores resolvessem apostar em seu trabalho.


“Os seguidores vêm me acompanhando desde o início e têm assistido também às minhas outras produções [fora da internet]. Sentem-se como se fossem parte dessa evolução. Espero que haja uma continuidade desse processo com o longa”, diz o diretor, que é casado com uma americana e vive em Los Angeles.

A ideia inicial era que a trama de “Arctic” se passasse em Marte, mas as prováveis dificuldades de produção (e o lançamento de “Perdido em Marte”, de Ridley Scott, em 2015) fizeram a equipe mudar a ambientação para o Polo Norte. “Eu teria preferido filmar no deserto, que é mais quente”, brinca Penna, não negando que ainda mantém certa brasilidade. “Nas filmagens, precisei de roupas com aquecimento por bateria, o que eu nem sabia que existia antes de ir para lá”, diz o cineasta. As filmagens duraram apenas 19 dias e foram feitas em território gelado islandês.

“Arctic”, por enquanto, ainda não tem distribuição garantida no Brasil. Mas Penna é categórico ao dizer o quanto seria importante que o filme fosse lançado em seu país natal. “Adoraria também fazer um filme no Brasil: é de onde venho e acho que posso falar à cultura brasileira muito bem. Mas antes disso gostaria de dar continuidade à internacionalidade do meu trabalho”, diz, referindo-se à preocupação de manter a premissa de que seus filmes sejam compreendidos universalmente.

Ao dizer que tipo de projeto nacional se interessaria de fazer, cita apenas um colaborador que gostaria de ter – e que, assim como ele, é ao mesmo tempo brasileiro e internacional. “Seria um prazer trabalhar com Rodrigo Santoro. É um ator incrível”, diz o cineasta.