Como Chuck Norris ajudou a derrubar um ditador comunista nos anos 80
Nos anos 1980, Chuck Norris, assim como vários outros ídolos dos filmes de ação, teve um papel fundamental no esfacelamento da ditadura comunista de Nicolae Ceausescu na Romênia, que por 24 anos viveu isolada do contato com o cinema e a cultura ocidental.
Essa é curiosa premissa do documentário “Chuck Norris vs Communism”, da diretora Ilinca Calugareanu, que defende que o comércio, a reprodução e disseminação de fitas VHS de filmes americanos plantaram um ideal de liberdade no país, que culminaria na violenta Revolução Romena de 1989, que restaurou a democracia no país.
Com depoimentos dos jovens da época e outros personagens, que são mesclados a cenas com atores, o filme está na Netflix e é um fascinante mergulho em um dos corações da “cortina de ferro” europeia, quando a geopolítica global ainda se via dividida entre dois grandes blocos político-econômicos.
Entenda abaixo como esta curiosa história envolvendo o cinema americano influenciou o curso da Romênia.
A origem do comércio
O contrabando de fitas VHS na Romênia era comandado por Teodor Zamfir, um funcionário do regime comunista que percebeu na população uma demanda reprimida por filmes ocidentais, maximizada em meados dos anos 1980, quando os primeiros videocassetes começaram a chegar no país. Nessa época, os poucos filmes estrangeiros que chegavam ao país, geralmente de países do próprio bloco vermelho, eram “tesourados” pela censura. Zamfir sabia bem o que precisava fazer. Em seu QG, ele trazia fitas de carro via Hungria, criava cópias e as dublava sem cortes. O preço para o consumidor: 100 léus, similar ao que hoje é pago por certas drogas. A proibição por parte do regime criou um novo tipo de tráfico.
Propinas pagas com filmes
Com o crescimento do negócio clandestino, que chegou a contar com 360 videocassetes em operação, Zamfir se tornou um homem rico e poderoso. Com pouquíssimos funcionários, era capaz copiar em apenas três horas cerca de 300 fitas, faturando 300 mil léus —preço de uma casa na Romênia dos anos 1980. O comércio ilegal era feito muitas vezes com a conivência de autoridades, que recebiam propinas em dinheiro e também em fitas VHS. Sem concorrência, a atividade passou a fornecer o produtor até para membros do comitê comunista, incluindo o filho do ditador Nicolae Ceausescu, que acobertava o tráfico.
Dubladora virou "estrela" nacional
As dublagens —geralmente de blockbusters americanos e filmes de Chuck Norris, Sylvester Stallone e Jean-Claude Van Damme— eram feitas no início por uma única pessoa: a tradutora Irina Nistor, que trabalhava para a censura e fazia “bicos” para Zamfir. O termo “dublagem” chega a ser um exagero, já que o trabalho consistia basicamente em uma tradução simultânea, na qual ela criava vozes e entonações diferentes para cada personagem. A popularidade das fitas, muitas vezes com imagem sofrível dadas as múltiplas cópias, fez de Nistor uma figura lendária na Romênia. Todos conheciam sua voz, mas ninguém conhecia seu nome nem seu rosto.
Cinema em casa
A pirataria de filmes criou um novo negócio paralelo: o "cinema em casa". Os privilegiados donos de videocassetes tinham o hábito de chamar vizinhos e conhecidos para sessões que cobravam entradas. O medo de que alguém delatasse a atividade e chamasse a polícia era constante, tornando tudo mais perigoso e também atraente. Os eventos eram divulgados na base do boca a boca nas ruas, sempre com muita discrição. Apesar de todo o cuidado, as batidas de oficiais não eram raras. Várias pessoas foram presas e muitos aparelhos e fitas foram confiscados pelo governo.
A subversão de assistir a um filme
A pirataria se alastrou rapidamente pela Romênia de meados dos anos 1980 até pouco depois do fim do regime, que ruiu em 1989 abrindo o país para a cultura ocidental. Durante esses anos, os romenos, principalmente os jovens, enxergavam na pirataria uma forma de protesto contra o governo, que condenava qualquer sinal de propaganda do “imperialismo” ocidental. Com o aumento da repressão, assistir a esses filmes virou uma espécie de provocação, que foi ganhando força quando a população saiu às ruas protestar. "No final tudo explodiu. As sementes da liberdade plantadas pelos filmes cresceram”, diz uma das entrevistadas no documentário.
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