Titãs faz ópera rock adolescente para falar de assédio sexual
Mesmo no seu auge, o rock brasileiro nunca se aventurou no formato de ópera rock. Em um momento em que a rebeldia e o peso do gênero andam meio esquecidos por aqui, ficou a cargo do Titãs -- ou o que restou da banda -- a estreia de um espetáculo que unisse no mesmo palco dramaturgia e rock n’roll.
"Doze Flores Amarelas" estreou no Festival de Curitiba no início do mês e chegou a São Paulo nesta quinta-feira (12) no Sesc Pinheiros (a primeira de quatro noites esgotadas), mostrando que, aos 36 anos de vida, a banda não tem medo alçar voos mais ousados. Muito menos de falar sobre uma geração bem distante da sua.
Esqueça a densidade e a complexidade de “The Wall”, clássica ópera rock lançada por Pink Floyd em 1979, a trama aqui está mais para o universo juvenil de “American Idiot”, do Green Day, mesmo tratando de um assunto forte: o assédio sexual contra as mulheres.
Desenvolvida em parceria com o escritor Marcelo Rubens Paiva e o dramaturgo Hugo Possolo (que também assina a direção ao lado de Otávio Juliano), a história segue três adolescentes, Maria A, Maria B e Maria C, que utilizam um aplicativo fictício chamado Facilitador, uma espécie de guru virtual que diz aos jovens como devem agir.
Durante uma festa, elas acabam sofrendo estupro e decidem se vingar usando um feitiço das doze flores amarelas.
Logo na primeira das 25 canções inéditas, há uma vontade de fazer eco nas composições mais hedonistas da banda, como “Diversão”. “Nada mais, nada nos basta, nada nos satisfaz”, canta Sergio Britto sobre esses adolescentes conectados, mas perdidos. Mas na representação dessa juventude em cima do palco, “Doze Flores Amarelas” parece mesmo saída de alguma temporada de “Malhação”.
E antes que a comparação seja vista como demérito, vale a pena lembrar que em sua última temporada a novelinha passou a tocar em temas mais espinhosos sem parecer falso ou desconectado da realidade.
As cantoras/atrizes Corina Sabba, Cyntia Mendes e Yás Werneck, que completam a linha de frente musical, são competentes, mas encenam apoiadas apenas nas letras de Tony Belotto, Sergio Brito e Branco Mello – os únicos remanescentes dessa banda que sempre teve sua força mais ancorada na ironia do que no lirismo.
Ainda assim, para cada “Me Estuprem” (com mensagem direta sobre a culpabilização da mulher diante da violência: “Me estuprem/ A culpa é toda minha/ Me desculpem/ Me vestir assim”), há canções com certa poética (como na ótima “Eu Sou Maria”, em que se narra um aborto).
Se por um lado o projeto carece de densidade, “Doze Flores Amarelas” pelo menos entrega -- e bem -- a parte musical. Ao lado de Beto Lee na guitarra e Mario Fabre na bateria, os Titãs imprimem identidade com um rock direto e sem firulas – além de algumas ótimas baladas.
As músicas podem até perder força fora do contexto do espetáculo, mas demonstram uma banda tão entrosada quanto em “Nheengatu”, projeto anterior lançado em 2014, ainda com Paulo Miklos– uma perda ainda sentida, principalmente neste espetáculo.
Bem acolhido pela crítica e pelos fãs, o disco pareceu oxigenar as ideias em uma fase em que as bandas veteranas padecem da boa verve criativa.
Ainda que como espetáculo teatral seja irregular, o grande mérito em “Doze Flores Amarelas” é a coragem que o Titãs teve de não incluir nenhum sucesso no espetáculo – sem direito a bis ou uma versão mais pesada de “Marvin”.
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