"Nada a Perder", filme sobre Edir Macedo, estreia sob esquema de guerra
A partir de hoje, os cinemas brasileiros serão tomados pela palavra de Edir Macedo. A saga do bispo fundador da igreja Universal ganha uma superprodução (cujo orçamento é guardado a sete chaves) e deve monopolizar as salas de exibição (e os assuntos) nas próximas semanas.
A grandiosidade que cerca toda a trajetória do dono da Rede Record é traduzida em números superlativos. Somando desde já 4 milhões de ingressos vendidos, "Nada a Perder" chega nesta quinta-feira (29) a exatamente 1.108 salas no Brasil --número que corresponde a aproximadamente 1/3 de todo o circuito nacional.
As filmagens contaram com inúmeras viagens, de São Paulo a Joanesburgo, na África do Sul, mais de cem atores e 6.000 figurantes. E, apesar de não revelar valores, especula-se que cada filme sobre a vida de Macedo esteja orçado em cerca de R$ 16 milhões. A média de produções nacionais comerciais gira em torno dos R$ 7,5 milhões.
O filme --que, segundo a reportagem apurou, foi finalizado há menos de uma semana-- teve sua primeira exibição na noite de terça-feira (26) para uma plateia mais estrelar que o Troféu Imprensa. Além de todo o elenco da Record (como Gugu Liberato, Ticiane Pinheiro, Rodrigo Faro e Sabrina Sato), foram convidados para assistir ao longa no Teatro Bradesco, em São Paulo, a nata do empresariado da capital paulista, além de políticos em campanha, como o prefeito de São Paulo João Dória e o governador do Estado, Geraldo Alckmin.
O UOL, assim como toda a imprensa brasileira, não teve acesso ao filme como costuma ser praxe, mas apurou as histórias por trás da versão ficcional do bispo, vivido nas telas por Petrônio Gontijo. O ator conta que assistiu a uma maratona de vídeos do "chefe", além de usar uma prótese nas mãos nas filmagens (nem todos sabem, mas Macedo tem uma deficiência nos indicadores e polegares).
A julgar apenas pelo trailer, o Edir Macedo que emerge das telas é um homem obstinado, mas sobretudo perseguido. A exceção talvez seja quando, em 1995, um pastor da Universal chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em rede nacional. Ao menos no livro "O Bispo", escrito por Douglas Tavolaro (vice-presidente do jornalismo da Record e produtor do filme), Edir faz mea-culpa pelo episódio, que deve ficar para a segunda parte do filme. Sim, a cinebiografia já tem uma sequência gravada, a ser lançada no início de 2019.
Sob campanha massiva de lançamento --que envolve não apenas o braço jornalístico da Record, como o trabalho nas Igrejas Universal--, caravanas devem invadir os cinemas, mas a montanha também irá a Maomé.
Por iniciativa do próprio Edir, o filme será exibido em comunidades ribeirinhas e penitenciárias, onde não há acesso ao cinema. Tudo para levar a palavra do líder espiritual ainda mais longe e, de quebra, superar o recorde que a própria Record bateu em 2016 ao colocar "Os Dez Mandamentos" como o filme brasileiro com a maior bilheteria da história, com mais de 11 milhões de ingressos vendidos.
Nada a esconder
Desde que o projeto começou a ser gestado, ainda em 2015, a proposta era não deixar de fora nenhuma passagem polêmica da biografia do bispo. Durante 2 horas e 10 minutos, a primeira parte do filme acompanha Macedo da adolescência ao momento de sua prisão em 1992, quando foi acusado de charlatanismo e estelionato. A compra da Record, em 1989, um dos maiores negócios no setor de comunicação do país (e um dos mais controversos), tem destaque no roteiro.
O foco do segundo filme ficará no que a biografia de Macedo chama de "perseguição global", quando o episódio do "chute na santa" e o vídeo em que o bispo aparece supostamente dando aulas de como cooptar dizimistas tomam conta do noticiário da TV Globo.
Roteirista americano
O tom do filme, contudo, é mais universal. Para dar mais emoção a uma história vendida como de superação, o americano Stephen P. Lindsey foi chamado para trabalhar no roteiro. Ele é roteirista de "Sempre ao Seu Lado", filme açucarado estrelado por Richard Gere, sobre a história de amor entre um professor universitário e seu cachorro.
Estado de espírito
Na pele do bispo, Petrônio Gontijo conta que fugiu da imitação. "O processo foi de assisti-lo muito, ler o máximo sobre ele. Eu tinha que trazer o estado de espírito", contou ao UOL. O ator admitiu que não conhecia a história de Edir antes do convite para o filme e disse que encontrou o bispo apenas uma vez. "Tivemos apenas um encontro, em que ele me deu toda a liberdade para fazer o personagem. A partir daí, foi só sala de ensaio".
Atrofia nas mãos
Edir nasceu com uma deficiência nas mãos. Seus indicadores são mais finos e os polegares, maiores, com dificuldade de movimento. A deformidade tem um papel fundamental na história pessoal do bispo. Ele se culpava de ter genes ruins por ter tido uma filha com lábio leporino. No filme, Gontijo usa uma prótese nas mãos. "Passei muito tempo na cadeira de maquiagem também porque eu rejuvenesço e envelheço no filme. Eu vivo Edir aos 28 anos até os tempos atuais."
Top secret
O processo de finalização de "Nada a Perder", conduzido pelo diretor Alexandre Avancini (o mesmo de "Os Dez Mandamentos"), foi feito a portas fechadas, sob forte esquema de segurança. No entanto, o UOL apurou que a uma semana da estreia o filme ainda não estava pronto. O motivo não foi revelado, mas corre nos bastidores a história de que nada que envolva direta ou indiretamente a Igreja Universal, e que seja realizado pela Record, vai ao ar sem antes passar pelo crivo dos bispos que comandam a TV. Antes mesmo dos créditos subirem, o próprio Edir Macedo aparece na tela para orar junto com o público.
Cinema itinerante
Edir comprou do próprio bolso um moderno ônibus, adaptado com um painel de LED, que irá servir de tela para a exibição do filme. O objetivo é percorrer todo o território nacional e chegar a 280 cidades que não possuem cinema, como populações ribeirinhas e rurais. Além disso, o filme será exibido em penitenciárias, onde a Universal tem grande parte de seus fiéis. Foi no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo, que o bispo lançou o livro "Nada a Perder". Cerca de 3 mil edições foram doadas na ocasião.
Esforço bíblico
"Nada a Perder" já comercializou 4 milhões de ingressos em pré-venda e não foi à toa. O UOL apurou que, a exemplo de "Os Dez Mandamentos", membros da igreja têm anunciado publicamente nas redes sociais a distribuição de bilhetes com direito a transporte gratuito até a sala de cinema. Semanas antes, a Universal divulgou um texto alertando seus fiéis de que a mídia usaria de "fake news" para prejudicar o lançamento do filme, e negou que tenha comprado ingressos. O comunicado diz:
"Novamente, como aconteceu na época do lançamento do filme 'Os Dez Mandamentos', a imprensa que não aceita o sucesso do trabalho da Igreja Universal do Reino de Deus começará a despejar fake news (notícias falsas) para tentar diminuir a importância da espetacular bilheteria do lançamento do filme 'Nada a Perder'. A mídia, os produtores e promotores destas fake news tentarão, de todas as formas, espalhar que o êxito do filme foi manipulado, que os ingressos teriam sido comprados pela Universal e distribuídos aos fiéis. É mentira! O que existe é a mobilização espontânea de grupos e de membros da Universal, que se organizaram para que o maior número de pessoas tenha chance de assistir ao filme."
Operação de guerra
Meses antes da estreia, a Record já tinha colocado uma "operação de guerra" em campo. Como antecipado pelo colunista do UOL Flavio Ricco, a área de jornalismo da emissora foi encarregada de produzir uma série especial para o "Jornal da Record" e reportagens para o "Domingo Espetacular", incluindo o envio de uma equipe ao exterior para coletar o depoimento de atores famosos, que já viveram personalidades marcantes em filmes biográficos. Na pré-estreia em São Paulo, o elenco da emissora estava em peso. Um convite que os contratados da Record já entendem como uma convocação.
Lançamento internacional
A Igreja Universal está presente em mais de cem países. A expansão internacional será abordada na segunda parte do filme (com cenas gravadas na África do Sul) e mobilizou uma distribuição grandiosa fora do Brasil. A partir de abril, 700 salas na América Latina, África do Sul, Angola e Moçambique receberão o filme. Em maio, será a vez dos Estados Unidos e México.
Netflix
Antes mesmo de estrear no cinema, a Netflix adquiriu a licença do filme por cinco anos. A exibição na plataforma deve acontecer entre junho e julho, sem passar pelo serviço on demand pago. Segundo Flavio Ricco, o negócio envolve o mundo inteiro e foi habilidosamente costurado, do começo ao fim, por Douglas Tavolaro. Os números são confidenciais, mas especula-se de que seja o maior valor já pago pela Netflix por um filme de língua não-inglesa. Procurada pelo UOL, a Netflix afirmou que não "comenta contratos e valores".
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