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Por que discos de Tim Maia não estão disponíveis nos serviços de streaming?

Tim Maia no show de inauguração do Teatro Bandeirantes em 1974 - Reprodução
Tim Maia no show de inauguração do Teatro Bandeirantes em 1974 Imagem: Reprodução

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

17/03/2018 04h00

Eleito pela revista “Rolling Stone” como a maior voz da música brasileira, Tim Maia marcou profundamente muitas gerações de ouvintes e músicos. Seu Jorge se lembra de quando ouviu a canção “Lábios de Mel” ainda garoto, no final da década de 1970. “O impacto foi muito forte, porque era uma música negra, brasileira, extremamente forte e importante”, escreveu o cantor na ocasião.

Nos 20 anos de sua morte, completados na quinta-feira (15), esse impacto tem sido cada vez mais raro na era digital. Isso porque a vasta discografia do mestre do soul brasileiro, já desfalcada nas lojas, é praticamente inexistente nas plataformas de streaming.

No momento em que grandes nomes da MPB voltam suas atenções e lançamentos para o mercado digital, a obra de Tim Maia tem paradoxalmente se tornado menos relevante, com uma nova geração de ouvintes descobrindo suas canções através de covers (como o disco “Viva Tim Maia”, gravado por Criolo e Ivete Sangalo em 2015) e vídeos piratas no YouTube.

Na Deezer, por exemplo, nenhum disco do soulman está disponível. No Spotify, apenas quatro álbuns estão na plataforma: “Tim Maia” (1985), “Nova Era Glacial” (1995) e “Somos América” (1987) e “Disco Club” (1978) -- nenhum deles na íntegra.

Algumas coletâneas conseguiram furar o bloqueio com alguns de seus sucessos, como “Me Dê Motivo” e “Não Quero Dinheiro”, todas em versões ao vivo e um tanto sem brilho, gravadas nos últimos anos de vida do artista.

Nem sinal daquele timbre encorpado de grande extensão, que ia do grave ao agudo em canções dos anos 1970. “Você”, “Festa do Santo Reis” e “Bom Senso” seguem sem ter suas versões originais nas plataformas.

A obra-prima do mestre: "Tim Maia Racional, Vol. 1" - Reprodução - Reprodução
A obra-prima do mestre: "Tim Maia Racional, Vol. 1"
Imagem: Reprodução
E não se trata de falta de interesse. Mesmo com material escasso, o artista soma 600 mil ouvintes mensais no Spotify. No YouTube, onde seus discos clássicos circulam ilegalmente, sua obra-prima, “Tim Maia Racional”, tem quase 4 milhões de visualizações.

Considerado a quintessência da música negra brasileiro, mesmo com o conteúdo doutrinário, dedicado à seita Universo em Desencanto, o trabalho lidera até hoje a lista dos vinis mais raros (e caros) dos sebos, e é disputado a tapas em todo o mundo – do Japão aos Estados Unidos --, por onde também circulam cópias piratas.

“Racional” foi editado pela primeira vez em CD em 2006, pela extinta gravadora Trama, em um acordo que envolveu mais de R$ 100 mil. Em 2011, os dois volumes de "Racional" – junto com a inédita terceira parte, com seis músicas nunca antes lançadas – foram comercializadas em bancas de revistas a preços acessíveis, junto com outros 12 discos importantes da discografia.

A intenção era popularizar a obra de Tim, o que já vinha acontecendo desde o show promovido pelo coletivo Instituto (dos produtores Rica Amabis e Tejo Damasceno, junto Daniel Ganjaman) em 2007, e a presença de “O Caminho do Bem” na trilha sonora de “Cidade de Deus” (2003). Porém, foi a última vez que a obra do cantor esteve tão acessível ao público.

Tim Maia, cantor e compositor carioca, durante show em 1982. - Derly Marques/Folhapress - Derly Marques/Folhapress
Tim Maia durante show em 1982
Imagem: Derly Marques/Folhapress
Tretas

Não se tem muitos detalhes sobre o que impede o lançamento dos discos em formato digital, mas a questão envolve uma longa batalha judicial e centenas de processos que Carmelo Maia herdou do pai.

Muitas delas envolvem compositores e antigos parceiros de Tim, que não era conhecido por seus dotes administrativos. Carmelo já afirmou em muitas ocasiões que herdou dívidas na casa dos milhões.

Em contrapartida, ele também move uma série de processos contra o uso indevido das canções do pai. A mais recente envolve o Corinthians, acusado de utilizar uma versão de “Não Quero Dinheiro” para fins comerciais sem a devida a autorização.

Procurado pelo UOL, o representante desse universo quase todo em desencanto se comprometeu a responder as questões, mas não retornou à reportagem, alegando que as perguntas sobre processos eram “polêmicas e tendenciosas”.

Sem detalhar, o Spotify afirmou que "os acordos com artistas ou gravadoras podem estar em andamento, ou a propriedade de direitos pode mudar de mãos”, disse a empresa, em nota. A Universal, que detém as masters dos discos mais clássicos dos anos 1970, também não se pronunciou sobre a questão.

Para os ouvintes que apenas amam e não pensam em dinheiro, resta pescar cuidadosamente as pérolas desse grande cantor.

Capa do disco "Tim Maia", de 1970. Polysom relançou primeiros álbuns da carreira do cantor no formato vinil - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "Tim Maia", de 1970. Polysom relançou primeiros álbuns da carreira do cantor no formato vinil
Imagem: Divulgação
Onde ouvir o mestre:

Box “Tim Universal Maia” (com 8 CD's e 1 DVD)
Lançado em 2011, fora da catálogo: R$ 800 (no mercado livre)

CD "Tim Maia Racional, vol. 3"
Lançado apenas uma vez em CD em 2011: R$ 350 (no mercado livre)

Vinil "Tim Maia Racional Vol. 1)
Original da época: R$ 580 reais (no mercado livre)

Vinil dos discos de 1970, 1971 e 1973 
Relançamento de 2016: R$ 90 média